Sobre a Oração do Nome de Jesus ou Oração do Coração
P. Marcelino José Moreno Caldeira
“21Todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo”
(Act 2,
21).
Na vida das Igrejas do Oriente,
existe uma prática espiritual de oração muito profunda e enraizada: a Oração de
Jesus, ou Oração do Coração. Esta oração remonta aos Padres do Deserto, dos
primeiros séculos do cristianismo. Alguns autores chegam mesmo a liga-la aos
próprios Apóstolos. Segundo a Pequena Filocália da Oração do Coração: “Esta oração, vêm-nos dos santos apóstolos.
Ela servia-lhes para rezar sem interrupção, na sequência do apelo de São Paulo
aos cristãos para orar sem cessar”.
Mais recentemente, este método de
Oração popularizou-se por meio da famosa obra, de finais do século XIX, «Relatos de um peregrino Russo».
a) Sobre o Nome de Jesus
"21Ela dará à luz um
filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus
pecados”
(Mt 1,
21).
Esta
oração, consiste na invocação incessante do Nome de Jesus, daí o nome: Oração
de Jesus. Ela encontra a sua força na virtude do Nome divino: “21Todo aquele que invocar o nome
do Senhor será salvo” (Act
2, 21).
O Nome, é a própria Pessoa. O nome de Jesus salva, cura, aprisiona os espíritos
impuros, purifica o coração. «Trazer
constantemente no coração o Doce Jesus e estar inflamado, pela recordação
incessante do Seu Nome bem-amado, dum inefável amor por Ele», assim se
exprime e a isso nos anima o Padre Païssi Vélitchovsky[1].
Logo
desde a primeiríssima hora, o Nome de Jesus esteve presente na vida e pregação
dos Apóstolos. Em dia de Pentecostes, o apóstolo Pedro termina o seu discurso
nestes termos: “38Convertei-vos
e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo” (Act 2, 38). É em Nome de Jesus
que Pedro opera o seu primeiro milagre, à entrada do Templo de Jerusalém: “3Não tenho ouro nem prata, mas o
que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda”
(Act 3,
3). É
pelo poder divino do Nome de Jesus que a comunidade dos crentes opera
maravilhas: “17Estes sinais
acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão
línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum
veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão-de impor as mãos aos doentes e eles
ficarão curados»” (Mc
16, 17-18).
No
século XIII, o Papa Gregório X exortou os bispos e os sacerdotes de todo o
mundo a pronunciar muitas vezes o Nome de Jesus e incentivar o povo a colocar
toda sua confiança neste Nome todo-poderoso, como um remédio contra os males
que ameaçavam a sociedade de então.
Um
luminoso exemplo, da eficácia do Santo Nome de Jesus, verificou-se precisamente
em Portugal. Por ocasião de uma violenta epidemia que deflagrou em Lisboa, no
ano de 1432, todos os que podiam, fugiam assustados da cidade, levando sem se
darem conta, a doença para todos os recantos de Portugal. Milhares de pessoas
morreram. O bispo dominicano, Dom André Dias, percorreu Portugal incentivando a
população a invocar o Santo Nome de Jesus. Recomendando que se repetisse o Nome
de Jesus! “Escrevam este nome em cartões,
mantenham esses cartões sobre os vossos corpos; coloquem-nos, à noite, sob o
travesseiro; pendurem-nos nas portas; mas, acima de tudo, constantemente
invoquem com os lábios e com o coração este Nome poderosíssimo”.
Num
curto prazo de tempo, milagrosamente, o país inteiro foi libertado da epidemia
e as populações agradecidas continuaram a confiar com amor no Santo Nome de
Jesus. De Portugal, essa confiança passou para a Espanha, França e espalhou-se
pelo resto do mundo.
Rezar
com o Nome de Jesus é uma instituição divina. Ela foi introduzida não por
intermédio de um profeta, de um apóstolo ou de um anjo, mas pelo próprio Filho
de Deus. É o Seu Nome poderoso e maravilhoso que o Senhor manda que se utilize
na oração, prometendo que Ele agirá de uma maneira particularmente eficaz: “13O que pedirdes em meu nome Eu
o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. 14Se
me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei” (Jo 14, 13-14) e ainda “23Em verdade, em verdade vos
digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará. 24Até
agora não pedistes nada em meu nome; pedi e recebereis. Assim, a vossa alegria
será completa” (Jo
16, 23-24)[2].
A
força espiritual da Oração de Jesus reside no Nome do Deus-Homem, nosso Senhor
Jesus Cristo. São numerosas as passagens da Sagrada Escritura que proclamam a
grandeza e o poder do Nome de Deus: “7Mandaram
comparecer os Apóstolos diante deles e perguntaram-lhes: «Com que poder ou em
nome de quem fizestes isso?» 8Então Pedro, cheio do Espírito Santo,
disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, 9já que hoje somos
interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e sobre o modo como ele foi
curado, 10ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome
de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por
Ele que este homem se apresenta curado diante de vós. 11Ele é a
pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra
angular. 12E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do
céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar»” (Act 4, 7-12); “13Todo o que invocar o nome do
Senhor será salvo” (Rm
10, 13) e
“9Deus o elevou acima de tudo
e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome, 10para que, ao
nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na
terra e debaixo da terra; 11e toda a língua proclame: «Jesus Cristo
é o Senhor!», para glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11).
b) Sobre como se reza a Oração do
Nome de Jesus ou Oração do Coração
“17Orai sem cessar”. (1Tes 5, 17)
Esta oração apoia-se
em várias exortações do evangelista Lucas e do apóstolo Paulo: “17Orai sem cessar” (1Tes 5, 17); “18Servindo-vos de toda a espécie
de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito” (Ef 6, 18) e “1Disse-lhes uma parábola sobre
a obrigação de orar sempre, sem desfalecer” (Lc 18, 1); “36Velai, pois, orando
continuamente” (Lc
21, 36).
A
Oração do Nome de Jesus ou Oração do Coração consiste em repetir sem cessar a
fórmula: «Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, tem piedade de mim, pecador» (cf. Lc 18, 38). É o grito do cego
de Jericó que implora de Jesus a cura, ou do cobrador de impostos: “13Ó Deus, tem piedade de mim,
que sou pecador” (Lc
18, 13).
É também o Kyrie eleison - Senhor, tende piedade de nós, que tantas vezes
repetimos na liturgia[3].
Mesmo
se a Oração de Jesus é uma forma de orar eminentemente monástica, ela é acessível
e mesmo aconselhável a todos, e qualquer um pode fazer dela a sua regra diária
para a intimidade com Deus.
Pode-se
repeti-la em qualquer momento. Contudo e para que ela se torne a nossa regra de
oração diária, devemos seguir a orientação do próprio Jesus: “31Vinde, retiremo-nos para um
lugar deserto e descansai um pouco” (Mc 6, 31). Orar em segredo, sozinho e em
silêncio é o caminho. Escolhamos um lugar tranquilo, onde não possamos ser
perturbados e possamos proteger os sentidos de todo o estímulo. É melhor fazer
Oração no início da manhã, antes do nascer do sol, quando a mente está em
repouso e sem distrações, o corpo está relaxado e há pouca atividade para
perturbar a concentração. Quando a ausência de luz não destaca a profusão das
cores, dos movimentos, dos objectos e o som é o do silêncio cheio do mistério
de Deus: “A esta hora em que geralmente
as mil ocupações da jornada não afloram ao espírito, apenas há outra
alternativa à oração… o sono. Mesmo que a alternativa seja só aparente, se o
coração está desperto”[4].
Alguns podem achar o entardecer ou o início da noite melhor, fazendo suas as
palavras do salmista quando diz: “55Durante
a noite lembro-me do Vosso nome, Senhor” (Sl 119, 55). Outros ainda,
podem querer reservar um tempo nos dois períodos, manhã e noite, para a sua
prática da Oração. O importante é fazê-la diariamente, resistindo à tentação
que, inevitavelmente surgirá em vários momentos e com argumentos aparentemente
muito válidos, de a abandonar. Não deixemos passar um dia sequer, sem nos
ocuparmos deste santo exercício. Uma prática diária de 30 minutos no início e
no final do dia é uma boa regra de oração, mas, podemos começar com 10 minutos,
e ir aumentando o tempo a pouco-e-pouco.
Como
para todo o tipo de oração, também para a Oração de Jesus, é fundamental,
exigido e conveniente procurar o silêncio exterior e do espírito, convém
recordar que Jesus se retirava para um lugar solitário para rezar (cf. Mc 1, 35). Evitar todos os
pensamentos, mesmo aqueles que possam parecer lícitos, regressar constantemente
às profundezas do coração, lá permanecer e dizer: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”
(cf. Lc
18, 38).
Por vezes só dizemos «Senhor Jesus
Cristo, tem piedade de mim». Em seguida mudamos de novo: «Filho de Deus, tem piedade de mim»;
esta última forma, segundo Gregório «O Sinaita», é a mais fácil para os
iniciantes. Mas não se deve mudar frequentemente de formula, aconselha-nos ele,
mas só às vezes. Invoquemos o Senhor Jesus com um fervoroso desejo e uma paciente
expectativa, abandonando todo o pensamento. Se constatarmos a impureza da
presença dos espíritos malignos, ou seja dos pensamentos, que surgem ao nosso
espírito, não lhe dêmos atenção, mas retenhamos a respiração, encerrando o
nosso espírito no coração, invoquemos o Senhor Jesus, constantemente, sem
distração e eles serão, invisivelmente, queimados pelo Nome Divino[5],
como diz o salmista “2Levanta-se
o Senhor e os seus inimigos dispersam-se” (Sl 67, 2).
“11Parai! Reconhecei que Eu sou
Deus” (Sl
46, 11).
Sentemo-nos em silêncio. Abaixemos a cabeça, fechemos os olhos, respiremos
suavemente, e imaginemo-nos olhando para o nosso próprio coração. Levemos os
pensamentos, da cabeça para o coração: “É
conveniente descer do cérebro ao coração”[6].
“Ao inspirar, diga: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus»,
ao expirar diga: «tende piedade de mim, pecador». Diga movendo os lábios
suavemente ou pode simplesmente dizê-lo na sua mente. Tente colocar todos os
outros pensamentos de lado. Pois, “Aqueles que se consagram ao verdadeiro
serviço de Deus pela incessante Oração de Jesus devem proteger-se
particularmente da dispersão dos pensamentos e absolutamente não deve ceder à
«tagarelice» mental”[7]. Tenhamos calma,
sejamos pacientes e perseverantes - não desistamos à primeira dificuldade -, e
repitamos este exercício espiritual diariamente.
São
numerosos os Padres da Igreja que, afirmam ser a Oração de Jesus ou do Coração,
“essencial” para o nosso crescimento
espiritual. Ela proclama a nossa fé e mais do que qualquer outra, ajuda-nos a
ser capazes de “estar na presença de
Deus”. Isso significa que ela nos ajuda a concentrar a nossa mente
exclusivamente em Deus, com “nenhum outro
pensamento”. Neste momento, quando a nossa mente está totalmente
concentrada em Deus, descobrimos uma relação muito pessoal e direta com Ele,
tendemos para Ele irresistivelmente, experimentamos dum modo novo a total
dependência que d’Ele tem a nossa Alma. Dir-se-ia que esta experimenta, em si
mesma, a realidade daquelas palavras: “12não
há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome,
dado aos homens, que nos possa salvar” (Act 4, 12)[8].
A
Oração de Jesus, é ao mesmo tempo uma disciplina e uma oração. Como oração, ela
proclama a nossa fé em Deus e procura a Sua divina Misericórdia para o nosso
evidente pecado. Como disciplina, a sua prática ajuda-nos a controlar a nossa
mente e os seus muitos e dispersos pensamentos, para que possamos concentrar a
nossa atenção em Deus, cada vez mais frequentemente, durante a nossa vida diária.
O objetivo é tornar-nos um com Deus e tornar a nossa vida uma oração contínua e
dedicada a agir de acordo com a Vontade de Deus.
[1] Cf. Jacques Serr e Olivier Clément, “La
Prière du Coeur”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 2011, pág. 10.
[2] Cf. Évêque Ignace Briantchaninov, “Approches de la prière de Jésus”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 1983, pág. 109.
[3] Cf. Jacques Serr e Olivier Clément, “La
Prière du Coeur”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 2011, pág.
11.
[4] André Louf, “El camino cisterciense – en la escuela del amor”, Monte Carmelo,
Burgos, 2005, pág. 46.
[5] Cf. Jacques Serr e Olivier Clément, “La
Prière du Coeur”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 2011, pág.
13.
[7] Évêque Ignace
Briantchaninov, “Approches de la
Prière de Jésus”, Abbaye Bellefontaine,
Bégrolles-en-Mauges, 1983, pág. 196.
[8] Cf. Monge da Cartuxa Scala Coeli, “A Oração de Jesus – caminho para a
Intimidade com Deus”, Editorial A.O., Braga, 2013, pág. 22
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