quinta-feira, 12 de março de 2020


Sobre a Oração do Nome de Jesus ou Oração do Coração
P. Marcelino José Moreno Caldeira
21Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Act 2, 21)
Na vida das Igrejas do Oriente, existe uma prática espiritual de oração muito profunda e enraizada: a Oração de Jesus, ou Oração do Coração. Esta oração remonta aos Padres do Deserto, dos primeiros séculos do cristianismo. Alguns autores chegam mesmo a liga-la aos próprios Apóstolos. Segundo a Pequena Filocália da Oração do Coração: “Esta oração, vêm-nos dos santos apóstolos. Ela servia-lhes para rezar sem interrupção, na sequência do apelo de São Paulo aos cristãos para orar sem cessar”.
Mais recentemente, este método de Oração popularizou-se por meio da famosa obra, de finais do século XIX, «Relatos de um peregrino Russo».
a) Sobre o Nome de Jesus
"21Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados” (Mt 1, 21).
Esta oração, consiste na invocação incessante do Nome de Jesus, daí o nome: Oração de Jesus. Ela encontra a sua força na virtude do Nome divino: 21Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Act 2, 21). O Nome, é a própria Pessoa. O nome de Jesus salva, cura, aprisiona os espíritos impuros, purifica o coração. «Trazer constantemente no coração o Doce Jesus e estar inflamado, pela recordação incessante do Seu Nome bem-amado, dum inefável amor por Ele», assim se exprime e a isso nos anima o Padre Païssi Vélitchovsky[1].
Logo desde a primeiríssima hora, o Nome de Jesus esteve presente na vida e pregação dos Apóstolos. Em dia de Pentecostes, o apóstolo Pedro termina o seu discurso nestes termos: 38Convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo” (Act 2, 38). É em Nome de Jesus que Pedro opera o seu primeiro milagre, à entrada do Templo de Jerusalém: 3Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda” (Act 3, 3). É pelo poder divino do Nome de Jesus que a comunidade dos crentes opera maravilhas: 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão-de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados»” (Mc 16, 17-18).
No século XIII, o Papa Gregório X exortou os bispos e os sacerdotes de todo o mundo a pronunciar muitas vezes o Nome de Jesus e incentivar o povo a colocar toda sua confiança neste Nome todo-poderoso, como um remédio contra os males que ameaçavam a sociedade de então.
Um luminoso exemplo, da eficácia do Santo Nome de Jesus, verificou-se precisamente em Portugal. Por ocasião de uma violenta epidemia que deflagrou em Lisboa, no ano de 1432, todos os que podiam, fugiam assustados da cidade, levando sem se darem conta, a doença para todos os recantos de Portugal. Milhares de pessoas morreram. O bispo dominicano, Dom André Dias, percorreu Portugal incentivando a população a invocar o Santo Nome de Jesus. Recomendando que se repetisse o Nome de Jesus! “Escrevam este nome em cartões, mantenham esses cartões sobre os vossos corpos; coloquem-nos, à noite, sob o travesseiro; pendurem-nos nas portas; mas, acima de tudo, constantemente invoquem com os lábios e com o coração este Nome poderosíssimo”.
Num curto prazo de tempo, milagrosamente, o país inteiro foi libertado da epidemia e as populações agradecidas continuaram a confiar com amor no Santo Nome de Jesus. De Portugal, essa confiança passou para a Espanha, França e espalhou-se pelo resto do mundo.
Rezar com o Nome de Jesus é uma instituição divina. Ela foi introduzida não por intermédio de um profeta, de um apóstolo ou de um anjo, mas pelo próprio Filho de Deus. É o Seu Nome poderoso e maravilhoso que o Senhor manda que se utilize na oração, prometendo que Ele agirá de uma maneira particularmente eficaz: 13O que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. 14Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei” (Jo 14, 13-14) e ainda 23Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará. 24Até agora não pedistes nada em meu nome; pedi e recebereis. Assim, a vossa alegria será completa” (Jo 16, 23-24)[2].
A força espiritual da Oração de Jesus reside no Nome do Deus-Homem, nosso Senhor Jesus Cristo. São numerosas as passagens da Sagrada Escritura que proclamam a grandeza e o poder do Nome de Deus: 7Mandaram comparecer os Apóstolos diante deles e perguntaram-lhes: «Com que poder ou em nome de quem fizestes isso?» 8Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, 9já que hoje somos interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e sobre o modo como ele foi curado, 10ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de vós. 11Ele é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular. 12E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar»” (Act 4, 7-12); 13Todo o que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10, 13) e 9Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome, 10para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra; 11e toda a língua proclame: «Jesus Cristo é o Senhor!», para glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11).
b) Sobre como se reza a Oração do Nome de Jesus ou Oração do Coração
17Orai sem cessar”. (1Tes 5, 17)
Esta oração apoia-se em várias exortações do evangelista Lucas e do apóstolo Paulo: 17Orai sem cessar” (1Tes 5, 17); 18Servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito” (Ef 6, 18) e1Disse-lhes uma parábola sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer” (Lc 18, 1); 36Velai, pois, orando continuamente” (Lc 21, 36).
A Oração do Nome de Jesus ou Oração do Coração consiste em repetir sem cessar a fórmula: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador» (cf. Lc 18, 38). É o grito do cego de Jericó que implora de Jesus a cura, ou do cobrador de impostos: 13Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador” (Lc 18, 13). É também o Kyrie eleison - Senhor, tende piedade de nós, que tantas vezes repetimos na liturgia[3].
Mesmo se a Oração de Jesus é uma forma de orar eminentemente monástica, ela é acessível e mesmo aconselhável a todos, e qualquer um pode fazer dela a sua regra diária para a intimidade com Deus.
Pode-se repeti-la em qualquer momento. Contudo e para que ela se torne a nossa regra de oração diária, devemos seguir a orientação do próprio Jesus: 31Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto e descansai um pouco” (Mc 6, 31). Orar em segredo, sozinho e em silêncio é o caminho. Escolhamos um lugar tranquilo, onde não possamos ser perturbados e possamos proteger os sentidos de todo o estímulo. É melhor fazer Oração no início da manhã, antes do nascer do sol, quando a mente está em repouso e sem distrações, o corpo está relaxado e há pouca atividade para perturbar a concentração. Quando a ausência de luz não destaca a profusão das cores, dos movimentos, dos objectos e o som é o do silêncio cheio do mistério de Deus: “A esta hora em que geralmente as mil ocupações da jornada não afloram ao espírito, apenas há outra alternativa à oração… o sono. Mesmo que a alternativa seja só aparente, se o coração está desperto”[4]. Alguns podem achar o entardecer ou o início da noite melhor, fazendo suas as palavras do salmista quando diz: 55Durante a noite lembro-me do Vosso nome, Senhor” (Sl 119, 55). Outros ainda, podem querer reservar um tempo nos dois períodos, manhã e noite, para a sua prática da Oração. O importante é fazê-la diariamente, resistindo à tentação que, inevitavelmente surgirá em vários momentos e com argumentos aparentemente muito válidos, de a abandonar. Não deixemos passar um dia sequer, sem nos ocuparmos deste santo exercício. Uma prática diária de 30 minutos no início e no final do dia é uma boa regra de oração, mas, podemos começar com 10 minutos, e ir aumentando o tempo a pouco-e-pouco.
Como para todo o tipo de oração, também para a Oração de Jesus, é fundamental, exigido e conveniente procurar o silêncio exterior e do espírito, convém recordar que Jesus se retirava para um lugar solitário para rezar (cf. Mc 1, 35). Evitar todos os pensamentos, mesmo aqueles que possam parecer lícitos, regressar constantemente às profundezas do coração, lá permanecer e dizer: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador” (cf. Lc 18, 38). Por vezes só dizemos «Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim». Em seguida mudamos de novo: «Filho de Deus, tem piedade de mim»; esta última forma, segundo Gregório «O Sinaita», é a mais fácil para os iniciantes. Mas não se deve mudar frequentemente de formula, aconselha-nos ele, mas só às vezes. Invoquemos o Senhor Jesus com um fervoroso desejo e uma paciente expectativa, abandonando todo o pensamento. Se constatarmos a impureza da presença dos espíritos malignos, ou seja dos pensamentos, que surgem ao nosso espírito, não lhe dêmos atenção, mas retenhamos a respiração, encerrando o nosso espírito no coração, invoquemos o Senhor Jesus, constantemente, sem distração e eles serão, invisivelmente, queimados pelo Nome Divino[5], como diz o salmista 2Levanta-se o Senhor e os seus inimigos dispersam-se” (Sl 67, 2).
11Parai! Reconhecei que Eu sou Deus” (Sl 46, 11). Sentemo-nos em silêncio. Abaixemos a cabeça, fechemos os olhos, respiremos suavemente, e imaginemo-nos olhando para o nosso próprio coração. Levemos os pensamentos, da cabeça para o coração: “É conveniente descer do cérebro ao coração”[6].
“Ao inspirar, diga: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus», ao expirar diga: «tende piedade de mim, pecador». Diga movendo os lábios suavemente ou pode simplesmente dizê-lo na sua mente. Tente colocar todos os outros pensamentos de lado. Pois, “Aqueles que se consagram ao verdadeiro serviço de Deus pela incessante Oração de Jesus devem proteger-se particularmente da dispersão dos pensamentos e absolutamente não deve ceder à «tagarelice» mental”[7]. Tenhamos calma, sejamos pacientes e perseverantes - não desistamos à primeira dificuldade -, e repitamos este exercício espiritual diariamente.
São numerosos os Padres da Igreja que, afirmam ser a Oração de Jesus ou do Coração, “essencial” para o nosso crescimento espiritual. Ela proclama a nossa fé e mais do que qualquer outra, ajuda-nos a ser capazes de “estar na presença de Deus”. Isso significa que ela nos ajuda a concentrar a nossa mente exclusivamente em Deus, com “nenhum outro pensamento”. Neste momento, quando a nossa mente está totalmente concentrada em Deus, descobrimos uma relação muito pessoal e direta com Ele, tendemos para Ele irresistivelmente, experimentamos dum modo novo a total dependência que d’Ele tem a nossa Alma. Dir-se-ia que esta experimenta, em si mesma, a realidade daquelas palavras: “12não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar” (Act 4, 12)[8].
A Oração de Jesus, é ao mesmo tempo uma disciplina e uma oração. Como oração, ela proclama a nossa fé em Deus e procura a Sua divina Misericórdia para o nosso evidente pecado. Como disciplina, a sua prática ajuda-nos a controlar a nossa mente e os seus muitos e dispersos pensamentos, para que possamos concentrar a nossa atenção em Deus, cada vez mais frequentemente, durante a nossa vida diária. O objetivo é tornar-nos um com Deus e tornar a nossa vida uma oração contínua e dedicada a agir de acordo com a Vontade de Deus.

[1] Cf. Jacques Serr e Olivier Clément, “La Prière du Coeur”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 2011, pág. 10.
[2] Cf. Évêque Ignace Briantchaninov, “Approches de la prière de Jésus”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 1983, pág. 109.
[3] Cf. Jacques Serr e Olivier Clément, “La Prière du Coeur”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 2011, pág. 11.
[4] André Louf, “El camino cisterciense – en la escuela del amor”, Monte Carmelo, Burgos, 2005, pág. 46.
[5] Cf. Jacques Serr e Olivier Clément, “La Prière du Coeur”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 2011, pág. 13.
[6] Idem, pág. 16.
[7] Évêque Ignace Briantchaninov, “Approches de la Prière de Jésus”, Abbaye Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges, 1983, pág. 196.
[8] Cf. Monge da Cartuxa Scala Coeli, “A Oração de Jesus – caminho para a Intimidade com Deus”, Editorial A.O., Braga, 2013, pág. 22

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