São Bento de Núrcia
Gostaria hoje de falar de São Bento, Fundador
do monaquismo ocidental.
São Bento de Núrcia com a sua vida e a sua
obra exerceu uma influência fundamental sobre o desenvolvimento da civilização
e da cultura europeia. Entre os séculos V e VI o mundo estava envolvido por uma
tremenda crise de valores e de instituições, causada pela queda do Império
Romano, pela invasão dos novos povos e pela decadência dos costumes. Com a
apresentação de São Bento como "astro luminoso", Gregório queria
indicar nesta situação atormentada, precisamente aqui nesta cidade de Roma, a
saída da "noite escura da história" (cf. João Paulo II, Insegnamenti,
II/1, 1979, p. 1158). De facto, a obra do Santo e, de modo particular, a sua Regra
revelaram-se portadoras de um autêntico fermento espiritual, que mudou no
decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua Pátria e do seu tempo, o
rosto da Europa, suscitando depois da queda da unidade política criada pelo
império romano uma nova unidade espiritual e cultural, a da fé cristã
partilhada pelos povos do continente. Surgiu precisamente assim a realidade à
qual nós chamamos "Europa".
O nascimento de São Bento é datado por
volta de 480. Provinha, assim diz São Gregório, "ex provincia Nursiae"
da região da Núrsia. Os seus pais abastados enviaram-no para Roma para a sua
formação nos estudos. Mas ele não permaneceu por muito tempo na Cidade eterna.
Como explicação plenamente credível, Gregório menciona o facto de que o jovem
Bento sentia repugnância pelo estilo de vida de muitos dos seus companheiros de
estudos, que viviam de modo dissoluto, e não queria cair nos mesmos erros
deles. Desejava aprazer unicamente a Deus; "soli Deo placere desiderans"
(II Dial., Prol. 1). Assim, ainda antes da conclusão dos seus estudos, Bento
deixou Roma e retirou-se na solidão dos montes a leste da cidade. Depois de uma
primeira estadia na aldeia de Effide (actualmente Affile), onde durante um
certo período se associou a uma "comunidade religiosa" de monges,
fez-se eremita na vizinha Subiaco. Ali viveu durante três anos completamente
sozinho numa gruta que, a partir da Alta Idade Média, constitui o
"coração" de um mosteiro beneditino chamado "Sagrada
Espelunca". O período em Subiaco, marcado pela solidão com Deus, foi para
Bento um tempo de maturação. Ali tinha que suportar e superar as três tentações
fundamentais de cada ser humano: a tentação da auto-suficiência e do desejo de
se colocar no centro, a tentação da sensualidade e, por fim, a tentação da ira
e da vingança. De facto, Bento estava convencido de que, só depois de ter
vencido estas tentações, ele teria podido dizer aos outros uma palavra útil
para as suas situações de necessidade. E assim, tendo a alma pacificada, estava
em condições de controlar plenamente as pulsões do eu, para deste modo ser um
criador de paz em seu redor. Só então decidiu fundar os seus primeiros
mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco.
No ano de 529 Bento deixou Subiaco para se
estabelecer em Montecassino. Alguns explicaram esta transferência como uma fuga
das maquinações de um invejoso eclesiástico local. Mas esta tentativa de
explicação revelou-se pouco convincente, dado que Bento não regressou para lá
depois da morte repentina do mesmo (II Dial. 8). Na realidade, esta decisão
impôs-se-lhe porque tinha entrado numa nova fase da sua maturação interior e da
sua experiência monástica. Segundo Gregório Magno, o Êxodo do vale remoto do
Anio para Monte Cassio uma altura que, dominando a vasta planície circunstante,
se vê ao longe reveste um carácter simbólico: a vida monástica no escondimento
tem uma sua razão de ser, mas um mosteiro tem também uma sua finalidade pública
na vida da Igreja e da sociedade, deve dar visibilidade à fé como força de
vida. De facto, quando, em 21 de Março de 574, Bento concluiu a sua vida
terrena, deixou com a sua Regra e com a família beneditina por ele fundada um
património que deu nos séculos passados e ainda hoje continua a dar frutos em
todo o mundo.
Gregório ilustra-nos como a vida de São
Bento estive imersa numa atmosfera de oração, fundamento portante da sua
existência. Sem oração não há experiência de Deus. Mas a espiritualidade de
Bento não era uma interioridade fora da realidade. Na agitação e na confusão do
seu tempo, ele vivia sob o olhar de Deus e precisamente assim nunca perdeu de
vista os deveres da vida quotidiana e o homem com as suas necessidades
concretas. Ao ver Deus compreendeu a realidade do homem e a sua missão. Na sua Regra
ele qualifica a vida monástica "uma escola ao serviço do Senhor"
(Prol. 45) e pede aos seus monges que "à Obra de Deus [ou seja, ao Ofício
Divino ou à Liturgia das Horas] nada se anteponha" (43, 3). Mas ressalta
que a oração é em primeiro lugar um acto de escuta (Prol. 9-11), que depois se
deve traduzir em acção concreta. "O Senhor aguarda que nós respondamos
todos os dias com os factos aos seus ensinamentos", afirma ele (Prol. 35).
Assim a vida do monge torna-se uma simbiose fecunda entre acção e contemplação
"para que em tudo seja glorificado Deus" (57, 9). Em contraste com
uma auto-realização fácil e egocêntrica, hoje com frequência exaltada, o
primeiro e irrenunciável compromisso do discípulo de São Bento é a busca sincera
de Deus (58, 7) sobre o caminho traçado pelo Cristo humilde e obediente (5,
13), ao amor do qual ele nada deve antepor (4, 21; 72, 11) e precisamente
assim, no serviço do outro, se torna homem do serviço e da paz. Na prática da
obediência realizada com uma fé animada pelo amor (5, 2), o monge conquista a
humildade (5, 1), à qual a Regra dedica um capítulo inteiro (7). Desta forma o
homem torna-se cada vez mais conforme com Cristo e alcança a verdadeira
auto-realização como criatura à imagem e semelhança de Deus.
À obediência do discípulo deve corresponder
a sabedoria do Abade, que no mosteiro desempenha "as funções de
Cristo" (2, 2; 63, 13). A sua figura, delineada sobretudo no segundo
capítulo da Regra, com um perfil de espiritual beleza e de compromisso exigente,
pode ser considerada como um auto-retrato de Bento, porque como escreve
Gregório Magno "o Santo não pôde de modo algum ensinar de uma forma
diferente da qual viveu" (Dial. II, 36). O Abade deve ser ao mesmo tempo
terno e mestre severo (2, 24), um verdadeiro educador. Inflexível contra os
vícios, é contudo chamado sobretudo a imitar a ternura do Bom Pastor (27, 8), a
"ajudar e não a dominar" (64, 8), a "acentuar mais com os factos
do que com as palavras tudo o que é bom e santo" e a "ilustrar os
mandamentos divinos com o seu exemplo" (2, 12). Para ser capaz de decidir
responsavelmente, também o Abade deve ser homem que escuta "os conselhos
dos irmãos" (3, 2), porque "muitas vezes Deus revela ao mais jovem a
solução melhor" (3, 3). Esta disposição torna surpreendentemente moderna
uma Regra escrita há quase quinze séculos! Um homem de responsabilidade
pública, e também em pequenos âmbitos, deve ser sempre também um homem que sabe
ouvir e aprender de quanto ouve.
Bento qualifica a Regra como "mínima,
traçada só para o início" (73, 8); mas na realidade ela pode oferecer
indicações úteis não só para os monges, mas também para todos os que procuram
uma guia no seu caminho rumo a Deus. Pela sua ponderação, a sua humanidade e o
seu discernimento entre o essencial e o secundário na vida espiritual, ele pôde
manter a sua força iluminadora até hoje. Paulo VI, proclamando a 24 de Outubro
de 1964 São Bento Padroeiro da Europa, pretendeu reconhecer a obra
maravilhosa desempenhada pelo Santo mediante a Regra para a formação da
civilização e da cultura europeia. Hoje a Europa que acabou de sair de um
século profundamente ferido por duas guerras mundiais e depois do
desmoronamento das grandes ideologias que se revelaram como trágicas utopias
está em busca da própria identidade. Para criar uma unidade nova e duradoura,
são sem dúvida importantes os instrumentos políticos, económicos e jurídicos,
mas é preciso também suscitar uma renovação ética e espiritual que se inspire
nas raízes cristãs do Continente, porque de outra forma não se pode reconstruir
a Europa. Sem esta linfa vital, o homem permanece exposto ao perigo de sucumbir
à antiga tentação de se querer remir sozinho utupia que, de formas diferentes,
na Europa do século XX causou, como revelou o Papa João Paulo II, "um
regresso sem precedentes ao tormento histórico da humanidade" (Insegnamenti,
XIII/1, 1990, p. 58). Procurando o verdadeiro progresso, ouvimos também hoje a Regra
de São Bento como uma luz para o nosso caminho. O grande monge permanece um
verdadeiro mestre em cuja escola podemos aprender a arte de viver o humanismo
verdadeiro.
Cf. Papa Bento XVI, «Audiência Geral», 09
de Abril de 2008
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