No mistério da Transfiguração, a Igreja não celebra apenas a transfiguração de Cristo, mas também a sua própria.
São Paulo usa duas vezes o verbo transfigurar-se (em grego, transfigurar-se e transformar-se são termos equivalentes) com referência aos cristãos, e nas duas vezes indica algo que tem lugar aqui e agora: “transformai-vos pela renovação de vosso espírito” (Rm 12, 2).
São Paulo usa duas vezes o verbo transfigurar-se (em grego, transfigurar-se e transformar-se são termos equivalentes) com referência aos cristãos, e nas duas vezes indica algo que tem lugar aqui e agora: “transformai-vos pela renovação de vosso espírito” (Rm 12, 2).
O verbo, que é traduzido por “reflectir como em um espelho”, pode ter por si mesmo dois significados. O primeiro, adoptado pelos antigos, é “contemplar como em um espelho”; o segundo, preferido pelos modernos, é “reflectir como um espelho”. No primeiro caso, Cristo é o espelho no qual contemplamos a glória divina, no segundo, nós somos o espelho que, contemplando Cristo reflectimos a glória divina.
A interpretação antiga é às vezes criticada pelo fato de levar a pensar que, desse modo, Cristo seria equiparado ao restante do mundo criado, o qual é também definido como espelho (cf. 1 Cor 13,12), mas nada obriga a pensar que o Apóstolo use o termo no mesmo sentido nos dois textos. Também o homem é imagem de Deus, e no entanto isso não impede o Apóstolo de definir também Cristo como "Imagem de Deus", em um sentido diferente e mais forte. Ambas as nuances mantêm-se, portanto, unidas, como procede uma autorizada tradução moderna da Bíblia que sugere entender a expressão no sentido de que "nós contemplamos e reflectimos", isto é, "reflectimos o que contemplamos".
Segundo o Apóstolo, é preciso ir além. O homem não só reflecte o que contempla, mas transforma-se naquilo que contempla. Contemplando, somos transfigurados na imagem que contemplamos. Trata-se de um pensamento cuja profunda verdade talvez tenhamos hoje melhor aptidão para apreender. Se em determinada época, nos inícios do materialismo científico, afirmava-se: "O homem é aquilo que come", hoje, numa civilização totalmente dominada pela imagem e pela comunicação visual, deve-se dizer: "O homem é aquilo que vê". A imagem tem o poder de penetrar não só no corpo, mas na própria alma por meio da fantasia. O olho é "a lâmpada da alma" (cf. Mt 6,22); e é também a porta da alma.A interpretação antiga é às vezes criticada pelo fato de levar a pensar que, desse modo, Cristo seria equiparado ao restante do mundo criado, o qual é também definido como espelho (cf. 1 Cor 13,12), mas nada obriga a pensar que o Apóstolo use o termo no mesmo sentido nos dois textos. Também o homem é imagem de Deus, e no entanto isso não impede o Apóstolo de definir também Cristo como "Imagem de Deus", em um sentido diferente e mais forte. Ambas as nuances mantêm-se, portanto, unidas, como procede uma autorizada tradução moderna da Bíblia que sugere entender a expressão no sentido de que "nós contemplamos e reflectimos", isto é, "reflectimos o que contemplamos".
Contemplando Cristo, diz portanto o Apóstolo, nós nos tornamos semelhantes a ele, conformamo-nos a ele, consentimos que seu mundo, seus propósitos e seus sentimentos se imprimam em nós, que substituam nossos pensamentos, propósitos e sentimentos, que nos façam semelhantes a ele. Ocorre na contemplação o mesmo que na fotografia, e é curioso descobrir que o próprio termo "fotografar" aparece pela primeira vez em um autor bizantino do século XII, precisamente para indicar o que acontece quando a alma contempla o Cristo. "Preservemos" - afirma ele - "com toda a atenção o espelho da alma, no qual usualmente imprime-se e fotografa-se (photeinographein) Jesus Cristo, sabedoria e potência de Deus." Mas não é exactamente o que constatamos por nós mesmos? Certas imagens têm o poder de ficar gravadas em nossa mente e nela permanecer como grafites em muros de cimento.
O Tabor foi o alicerce instituidor e continua a ser o apelo mais forte a essa contemplação de Cristo que transforma. Ele é, por excelência, o mistério da contemplação de Jesus. No "monte santo", como o chama São Pedro, os apóstolos foram epóptai, ou seja, contempladores, espectadores, testemunhas oculares da grandeza de Jesus (cf. 2Pd 1,16-18). Em outros mistérios, prevalece a actualização sacramental ou litúrgica; na Transfiguração, prevalece a direcção intencional que é a contemplação. Com efeito, não existe um sacramento para celebrar a Transfiguração, como há para o baptismo de Cristo e para a sua morte e Ressurreição.
Todavia, não pretendemos contentar-nos em fazer uma simples reflexão sobre o tema da contemplação de Cristo, mas também, tanto quanto possível por meio das páginas de um livro, uma experiência de contemplação. Nesse caso, queremos igualmente chegar ao "âmago do assunto", sem nos limitar à ideia do facto. Assim, as meditações que reunimos neste livro foram concebidas como outras tantas subidas matutinas ao monte Tabor, com o propósito de passar meia hora "de olhos fitos naquele que é o iniciador da fé e a conduz à realização" (Hb 12,1), retornando depois, revigorados, ao trabalho quotidiano.
O propósito da contemplação consiste precisamente em ir além da letra e reviver dentro de si os sentimentos e os estados de espírito: de Jesus, dos apóstolos, do próprio Pai celeste quando proclama: "Este é o meu Filho bem-amado". Os pintores do ícone, representando Moisés e Elias curvados quase como um arco diante de Jesus, convidam-nos a nos identificar com eles, fazendo nossa a sua atitude de adoração ilimitada.
Todo ícone deve reflectir em si a mesma luz que brilhou no Tabor. Todo ícone de Cristo deve levar a entrever o invisível através da imagem do visível, exactamente como a divindade de Cristo transpareceu no Tabor por entre o véu de sua carne.
[1] Cf. Raniero Cantalamessa, “O Mistério da Transfiguração”, Edições Loyola, São Paulo, 2001, pgs. 12-17
[1] Cf. Raniero Cantalamessa, “O Mistério da Transfiguração”, Edições Loyola, São Paulo, 2001, pgs. 12-17
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