sábado, 1 de março de 2025

 

Palavra de Vida

Março 2025

Augusto Parody Reyes e equipa da Palavra de Vida

«Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (Lc 6,41)

Jesus desce da montanha, depois de uma noite em oração, e escolhe os seus apóstolos. Tendo chegado a um local plano, dirige-lhes um longo discurso que começa com a proclamação das Bem-Aventuranças.

No texto de Lucas, ao contrário de Mateus, elas são apenas quatro e referem-se aos pobres, aos que têm fome, aos que sofrem e aos aflitos, acrescentando outras tantas advertências contra os ricos, os que estão saciados e os arrogantes [Cf. Lc 6,20-26]. Jesus faz desta predileção de Deus pelos últimos a sua missão. Na sinagoga de Nazaré [Cf. Lc 4,16-21] tinha afirmado que o Espírito do Senhor estava sobre ele e o enviava a anunciar a boa nova aos pobres, a libertação aos cativos e a liberdade aos oprimidos.

Logo a seguir, Jesus exorta os discípulos a amar até os inimigos [Cf. Lc 6,27-35]. Mensagem que tem o seu fundamento no comportamento do Pai celeste: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6,36).

Este apelo é o ponto de partida para o que se segue: «Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados» (Lc 6,37). Depois, Jesus faz uma advertência usando uma imagem intencionalmente desproporcionada:

«Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (Lc 6,41)

Jesus conhece bem o nosso coração. Quantas vezes, na vida de cada dia, fazemos esta triste experiência: é fácil criticar – até com severidade – os erros ou fragilidades de um irmão ou de uma irmã, sem nos apercebermos que, ao fazê-lo, estamos a atribuir-nos uma prerrogativa que pertence só a Deus. A verdade é que, para “tirarmos a trave” da nossa vista precisamos daquela humildade que nasce da consciência de sermos pecadores, continuamente necessitados do perdão de Deus. Só quem tem a coragem de tomar consciência da sua própria “trave”, daquilo de que precisa para se converter, poderá compreender – sem julgar e sem exagerar – as fragilidades e fraquezas, suas e dos outros.

Contudo, Jesus não nos pede para fechar os olhos e deixar andar as coisas. Ele quer que os seus seguidores se ajudem reciprocamente a progredir pelo caminho de uma vida nova. Também o apóstolo Paulo pede com insistência que nos preocupemos com os outros: corrigindo os indisciplinados, confortando os desanimados, amparando os fracos e sendo pacientes com todos [Cf. 1Ts 5,14]. Só o amor é capaz de tal serviço.

«Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (Lc 6,41)

Como colocar em prática esta palavra de vida?

Para além do que já foi dito, podemos começar, neste tempo de Quaresma, por pedir a Jesus que nos ensine a ver os outros como ele os vê, como Deus os vê. E Deus vê com os olhos do coração, porque o Seu é um olhar de amor. Em seguida, para nos ajudarmos reciprocamente, poderemos recuperar uma prática que foi determinante para o primeiro grupo de raparigas dos Focolares, em Trento.

«No início – conta Chiara Lubich a um grupo de amigos muçulmanos – nem sempre era fácil viver a radicalidade do amor. […] Também entre nós, nos nossos relacionamentos, podia criar-se poeira, e a unidade podia esmorecer. Isso acontecia, por exemplo, quando se notavam os defeitos, as imperfeições dos outros e se começava a julgar, impedindo assim a corrente do amor recíproco. Para reagir a esta situação, um dia pensámos em estabelecer um pacto entre nós, a que chamámos “pacto de misericórdia”. Decidimos ver, todas as manhãs, o próximo que encontrávamos – em casa, na escola, no trabalho, etc. – de um modo novo, sem nos lembrarmos dos seus defeitos, mas cobrindo tudo com o amor. […] Era um compromisso forte, que assumimos todas juntas, e que ajudava cada uma a ser sempre a primeira a amar, à imitação de Deus misericordioso, que perdoa e esquece» [C. Lubich, «O amor ao próximo», Discurso a um grupo de amigos muçulmanos, Castel Gandolfo, 1/11/2002. Em C. Lubich, O amor recíproco, Cidade Nova, Abrigada 2013, pp. 89-90].