“Natal da Moderação,
da Justiça e da Piedade”
Não há outra quadra festiva que exerça tanto fascínio na mente das crianças, dos jovens e dos adultos de todas as idades como o Natal. Mas nem sempre pelas melhores razões.
É que à volta do Natal entrecruzam-se múltiplas motivações de carácter económico e comercial, cultural e artístico, religioso e social. Por isso, ele começa a ser anunciado e preparado com tanta antecedência pelos meios de comunicação social, que incentivam, persistentemente, ao consumismo, com recurso às mais sofisticadas técnicas publicitárias, criadas para adormecer as consciências e mover as vontades na direcção desejada.
A sede do consumismo chega a ser avassaladora. E, quando está aliada com ideologias agnósticas e laicas, os seus efeitos tornam-se deletérios em relação ao Natal que, sendo uma festa cristã, corre o risco de se paganizar, deslizando apenas para uma festa de família ou para a época das compras e dos presentes.
Os cristãos precisam de estar atentos a estas mentalidades, que se vão arraigando no espírito das novas gerações. Sirva de exemplo o caso daquele pai que, depois de se ter esforçado por fazer compreender aos seus filhos, ainda crianças e adolescentes, o sentido cristão do Natal, ouviu da boca de uma das suas filhas: sim, meu pai, mas o melhor do Natal são os presentes.
A mentalidade consumista baseia-se no princípio da abundância material, promove o egoísmo e gera desinteresse pelos mais carenciados da sociedade, em oposição ao sentido genuíno do Natal.
Pois, o nascimento de Jesus fala-nos de ternura, de partilha, de amor, de humildade e de salvação da humanidade decaída no pecado. Como podemos ler na carta de S. Paulo a Tito, seu estimado discípulo, com o nascimento de Jesus em Belém, manifestou-se a graça de Deus, que nos ensina a viver com moderação, justiça e piedade, no mundo actual (2,11).
A graça de Deus manifestou-se como Palavra encarnada em Jesus Cristo. Adquiriu um rosto. Pode ser escutada por ouvidos humanos e pode ser tocada por mãos suplicantes.
Manifestou-se como luz intensa que rasga as trevas do pecado e do mal para iluminar os caminhos da humanidade, pondo a descoberto os erros e os perigos que espreitam na berma da estrada. A Palavra de intensa luz, que encarnou no seio de Maria e se manifestou em Belém, ensina-nos a viver com moderação, com justiça e com piedade.
É por isso que, da humildade do presépio onde nasceu, Jesus continua a fazer-nos um veemente apelo à moderação no modo de pensar e de viver, combatendo os excessos desregrados, para que, nesta época de crise económica, os mais carenciados também possam ter, na mesa da abundância, o lugar a que têm direito, no âmbito da saúde, da habitação, da educação, do trabalho e das condições mínimas para um estilo de vida saudável.
Numa sociedade em que são frequentes os atropelos à justiça, pela distorção das leis e pelo retardamento culposo da sua correcta aplicação, a mensagem que brota do presépio continua a dirigir-se aos homens de boa vontade, para que unam o seu saber e os seus esforços, no restabelecimento da paz e da justiça, empenhando-se na erradicação da pobreza, na promoção da ecologia, no combate à fraude e à exploração vergonhosa dos pobres e dos inocentes. Quando a hipocrisia domina muitas das relações institucionais e o isolamento e a solidão afectam uma parte considerável da nossa população, é urgente que aprendamos com Jesus Cristo a reinventar um novo estilo de relação interpessoal.
Ele, que sempre estabeleceu relações autênticas de amor, de beleza e de bondade com o Pai e com todos quantos a Ele recorriam, convida-nos a viver a piedade, no seu sentido mais genuíno, tanto em relação a Deus como em relação aos nossos semelhantes, substituindo o ritualismo e a hipocrisia pela autenticidade, de forma que as palavras encontrem eco nas atitudes e estas sejam reforçadas pelos actos praticados.
Sentindo-me unido a todos os diocesanos, particularmente aos que sofrem ou se encontram em provação, desejo que todos saibam escutar a mensagem libertadora que brota do presépio e por ela a prendam a viver com moderação, justiça e piedade.
Natal de 2008
+José, Arcebispo de Évora