sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Palavra de Vida

Novembro de 2024

Texto preparado por Letizia Magri e equipa da Palavra de Vida

«Ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver» (Mc 12,44)

Estamos na conclusão do capítulo 12 do Evangelho de Marcos. Jesus está no Templo de Jerusalém: observa e ensina. Através do Seu olhar, assistimos a uma cena cheia de personagens: pessoas que vão e vêm, funcionários do culto, nobres com longas vestes, ricos que lançam generosas ofertas no tesouro do Templo.

Aproxima-se também uma viúva. Faz parte de uma categoria de pessoas desfavorecidas social e economicamente. Ignorada por todos, lança no tesouro duas pequenas moedas. Jesus, porém, apercebe-se. Chama os discípulos e diz-lhes:

«Ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver» (Mc 12,44)

“Em verdade vos digo…”. São as palavras que introduzem os ensinamentos mais importantes. O olhar de Jesus, concentrado sobre a pobre viúva, convida-nos a olhar na mesma direção: ela é o modelo do discípulo.

A sua fé no amor de Deus é incondicional. O seu tesouro é o próprio Deus. Na sua entrega total a Ele, ela, na sua pobreza, deseja também dar tudo aquilo que pode. Este abandono confiante no Pai é, de certo modo, a antecipação do dom que Jesus fará de Si mesmo, muito em breve, através da Sua paixão e morte. É aquela “pobreza em espírito” e “pureza de coração” que Jesus proclamou e viveu.

Isto significa «depositar a nossa confiança não nas riquezas, mas no amor de Deus e na sua providência. […] Somos “pobres em espírito” quando nos deixamos orientar pelo amor para com os outros. É então que partilhamos o que temos, colocando-o à disposição de quem está em necessidade: um sorriso, o nosso tempo, os nossos bens, as nossas capacidades. Tendo oferecido tudo por amor, somos pobres, ou seja, esvaziamo-nos de nós mesmos, somos livres e temos o coração puro» (Cf. C. Lubich, Palavra de Vida de novembro de 2003, in Parole di Vita, a/c Fabio Ciardi (Opere di Chiara Lubich 5), Città Nuova, Roma, 2017, p. 704.).

A proposta de Jesus muda a nossa mentalidade. No centro dos Seus cuidados estão os pequenos, os pobres, os últimos.

«Ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver» (Mc 12,44)

Esta Palavra de vida convida-nos, antes de tudo, a renovar a nossa plena confiança no amor de Deus e a sintonizarmo-nos com o Seu olhar, que vê para além das aparências, que não julga e que não depende do julgamento dos outros. Faz-nos a valorizar o positivo que existe em cada pessoa.

Além disso, sugere-nos o “dar tudo” como lógica evangélica que edifica uma comunidade pacificada, porque nos leva a cuidar uns dos outros. Encoraja-nos a viver o Evangelho no dia a dia, sem dar nas vistas; a dar com abundância e confiança; a viver com sobriedade, na partilha. Convida-nos a prestar atenção aos últimos, para aprender com eles.

Venant nasceu e cresceu no Burundi. Ele conta-nos: «Na aldeia, a minha família podia orgulhar-se de ter um grande terreno agrícola, com boas colheitas. A minha mãe, consciente de que tudo é providência do Céu, recolhia os primeiros frutos e distribuía-os sempre pelos vizinhos, começando pelas famílias mais necessitadas, reservando para nós uma pequena parte daquilo que sobrava. Deste exemplo aprendi o valor da dádiva desinteressada. Assim, compreendi que Deus me pedia para Lhe dar o melhor de mim, ou seja, para Lhe dar toda a minha vida».

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Palavra de Vida 

Outubro de 2024

Letizia Magri e equipa da Palavra de Vida 

«Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, será vosso servidor, e aquele que quiser entre vós ser o primeiro, será servo de todos» (Mc 10,43-44)

Pela terceira vez, no caminho para Jerusalém, Jesus prepara os seus discípulos para o acontecimento dramático da Sua paixão e morte. Mas até aqueles que O seguiram mais de perto mostram-se incapazes de o compreender.

Aliás, entre os próprios apóstolos, surge um conflito: Tiago e João pedem para ocupar lugares de honra “na Sua glória” [Cf. Mc 10, 37]; os outros dez indignam-se, reclamam e o grupo fica dividido.

Então Jesus, com paciência, chama-os todos a Si, e, mais uma vez, revela a desconcertante novidade do Seu anúncio:

«Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, será vosso servidor, e aquele que quiser entre vós ser o primeiro, será servo de todos» (Mc 10,43-44)

Nesta frase do Evangelho de Marcos, há uma progressiva compreensão na imagem do servo-escravo. Jesus guia-nos na passagem de uma atitude de simples disponibilidade num grupo limitado e confortável, a uma total entrega a todos, sem exceção.

É uma proposta totalmente alternativa e contracorrente relativamente à conceção humana da autoridade e do governo, que talvez tenha impressionado os próprios apóstolos e tem um impacto também para nós.

Não será este o segredo do amor cristão?

«Há uma palavra do Evangelho que não tem sido muito sublinhada por nós, cristãos: servir. Parece-nos antiquada, indigna da dignidade do homem que dá e recebe. No entanto, o Evangelho está todo aqui, porque é amor. Amar significa servir. Jesus não veio para mandar, mas para servir. […] Servir, servirmo-nos uns aos outros é cristianismo e quem o atua com simplicidade – e todos o podem fazer – fez tudo; e não é um tudo que fique só por ali, mas que, porque é cristianismo vivo, se propaga como um incêndio» [C. Lubich, Servire, in «Città Nuova», XVII, n. 12, 1973, p. 13].

«Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, será vosso servidor, e aquele que quiser entre vós ser o primeiro, será servo de todos» (Mc 10,43-44)

O encontro com Jesus na sua Palavra abre-nos os olhos, como aconteceu com o cego Bartimeu nos versículos seguintes [Cf. Mc 10,46-52]: liberta-nos da mesquinhez dos nossos esquemas, faz-nos contemplar os horizontes de Deus, o seu projeto de “novos Céus e nova Terra” [Cf. 2Pt 3,13].

Ele, o Senhor que lava os pés [Cf. Gv 13,14], contradiz com o seu exemplo a distinção rígida das tarefas de serviço que muitas vezes as nossas comunidades civis, e por vezes religiosas, atribuem às pessoas de estratos socialmente mais frágeis.

O serviço cristão é, portanto, imitar o exemplo de Jesus, aprender com Ele um novo estilo de sociabilidade: tornar-se próximo de cada pessoa, de qualquer condição humana, social ou cultural que seja, até ao fim. 

Como propõe Giovanni Anziani, pastor metodista da Igreja Valdense, «[…] aceitando colocar a nossa confiança e a nossa esperança no Senhor que é servo de todos, a Palavra de Deus pede-nos para agir no nosso mundo, no meio de todas as suas contradições, como operadores da paz e da justiça, como construtores de pontes para a reconciliação entre os povos» [https://www.chiesavaldese.org].

Assim viveu Igino Giordani, escritor, jornalista, político e pai de família, num momento histórico marcado pela ditadura. Contando a sua experiência, escreveu: «A política é – no mais digno sentido cristão – uma serva, e não se deve tornar patroa: não pode ser abuso, nem ser dominadora e nem sequer dogma. Esta é a sua função e a sua dignidade: ser serviço social, caridade em ato, a primeira forma do amor à pátria» [P. Mazzola (org.), Perle di Igino Giordani, Effatà editrice, Torino 2019, p. 112].

Com o testemunho da sua vida, Jesus propõe-nos uma escolha consciente e livre: de já não vivermos fechados em nós mesmos e nos nossos interesses, mas “viver o outro”, com os seus sentimentos, carregando os seus pesos e partilhando as suas alegrias.

Todos temos pequenas ou grandes responsabilidades e espaços de autoridade: no campo político e social, mas também na família, na escola, na comunidade de fé. Aproveitemos os nossos “lugares de honra” para nos colocarmos ao serviço do bem comum, construindo relacionamentos humanos justos e solidários.


domingo, 1 de setembro de 2024

 

Palavra de Vida

Setembro 2024

Patrizia Mazzola  e equipa da Palavra de Vida

«Sede cumpridores da Palavra, e não apenas ouvintes, pois isso seria enganar-vos a vós próprios.» (Tg 1,22)

O tema da escuta e do pôr em prática é um tema fundamental sobre o qual insiste o autor do versículo deste mês. De facto, a Carta continua: «Aquele, porém, que põe toda a sua atenção na lei perfeita, que é a lei da liberdade, e nela permanece, não como um ouvinte que se esquece, mas como um verdadeiro praticante, esse será feliz ao pô-la em prática» (Tg 1,25). É precisamente este empenho em conhecer as Suas palavras e em vivê-las que nos torna livres e nos dá alegria.

Poderíamos dizer que o versículo bíblico deste mês é, em si mesmo, a motivação da prática da Palavra de Vida que se difundiu em todo o mundo. Uma vez por semana, e mais tarde uma vez por mês, Chiara Lubich escolhia uma frase completa da Sagrada Escritura e comentava‑a. Quando nos encontrávamos, partilhavam-se os frutos que essa Palavra tinha operado através das experiências de vida, e assim se ia formando uma comunidade unida que, em gérmen, mostrava as transformações sociais que ela era capaz de provocar.

«Apesar da sua simplicidade, esta iniciativa contribuiu notavelmente para a redescoberta da Palavra de Deus no mundo cristão do século XX» [Fabio Ciardi, «Introduzione», in C. Lubich, Parole di Vita, a/c Fabio Ciardi, (Opere di Chiara Lubich 5), Città Nuova, Roma 2017, p. 9.], facultando um “método” para viver o Evangelho e partilhar os seus efeitos.

«Sede cumpridores da Palavra, e não apenas ouvintes, pois isso seria enganar-vos a vós próprios.» (Tg 1,22)

A Carta de Tiago reproduz o que Jesus tinha anunciado para fazer viver e experimentar o Reino dos céus entre nós: declara feliz quem escuta a sua Palavra e a observa [Cf. Lc 11, 28.]; reconhece como sua mãe e seus irmãos aqueles que a escutam e colocam em prática [Cf. Lc 8, 21.]; compara-a com a semente que, caindo em boa terra – ou seja, naqueles que a ouvem com coração nobre e bom e que a guardam –, faz produzir fruto com perseverança [Cf. Lc 8, 15.].

«Em cada sua Palavra, Jesus exprime todo o seu amor por nós – escreve Chiara Lubich. Encarnemo-la, façamo-la nossa, experimentemos todo o potencial de vida que liberta, em nós e à nossa volta, quando é vivida. Enamoremo-nos do Evangelho ao ponto de nele nos deixarmos transformar e de o transbordarmos para os outros. […] Experimentaremos a liberdade de nós mesmos, dos nossos limites, das nossas escravidões, e não só: veremos também despoletar a revolução de amor que Jesus, se o deixarmos viver em nós, provocará no tecido social em que estamos imersos» [C. Lubich, Palavra de Vida de setembro de 2006, in Parole di Vita, cit., p. 790.].

«Sede cumpridores da Palavra, e não apenas ouvintes, pois isso seria enganar-vos a vós próprios.» (Tg 1,22)

Como colocar em prática a Palavra? Olhemos ao nosso redor e façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para nos colocarmos ao serviço de todos os que se encontram em necessidade, com pequenos ou grandes gestos de cuidado recíproco, transformando as estruturas injustas da sociedade, opondo-nos à violência, favorecendo gestos de paz e de reconciliação, crescendo na sensibilidade e nas ações em favor do nosso planeta.  

Deste modo irromperá uma autêntica revolução na nossa vida, na vida da nossa comunidade e no ambiente de trabalho onde operamos. 

O amor manifesta-se nas ações sociais e políticas que procuram construir um mundo melhor. Em Lámud, uma cidade na região amazónica do Perú, a 2.330 metros de altitude, do compromisso de uma pequena comunidade dos Focolares para com as pessoas mais fragilizadas, nasceu o “Centro para Idosos Chiara Lubich”. 

«O Centro foi inaugurado em plena pandemia e hospeda 50 pessoas idosas que viviam sozinhas. A casa, os móveis, a louça e também os alimentos foram oferecidos pela comunidade local. Foi um desafio, não isento de dificuldades e obstáculos. Em março de 2022 o Centro celebrou o seu primeiro aniversário, abrindo as portas à cidade com uma festa em que participaram também as autoridades civis. Os dois dias de celebração suscitaram novos voluntários, adultos e crianças, que querem cuidar dos avós que estão sós, ampliando assim a própria família» [Movimento dos Focolares, Balanço de Comunhão 2022, p.67, disponível em www.focolare.org.].

terça-feira, 13 de agosto de 2024


 O patriarca latino de Jerusalém, cardeal Pierbattista Pizzaballa, convida todos os fiéis católicos a rezar à Virgem Santa pela paz na região, na solenidade da sua Assunção ao Céu.

Súplica especial pela paz

à Bem-Aventurada Virgem Maria Assunta ao Céu

Gloriosa Mãe de Deus

elevada acima dos coros dos anjos,

rogai por nós com são Miguel Arcanjo

e com todas as potências angélicas do céu e com todos os santos

ao vosso santíssimo e dileto Filho, Senhor e Mestre.

Obtenha para esta Terra Santa,

para todos os vossos filhos e para toda a humanidade

o dom da reconciliação e da paz.

Amen.

domingo, 11 de agosto de 2024

Clara de Assis

 PAPA BENTO XVI AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI, 4ª feira, 15 de Setembro de 2010

Prezados irmãos e irmãs

Uma das Santas mais amadas é, sem dúvida, Santa Clara de Assis, que viveu no século XIII, contemporânea de São Francisco. O seu testemunho mostra-nos como a Igreja inteira é devedora a mulheres intrépidas e ricas de fé como ela, capazes de dar um impulso decisivo para a renovação da Igreja.

Portanto, quem era Clara de Assis? Para responder a esta pergunta, dispomos de fontes seguras: não apenas das antigas biografias, como a de Tomás de Celano, mas também das Actas do processo de canonização promovido pelo Papa só poucos meses depois da morte de Clara e que contém os testemunhos daqueles que viveram ao seu lado durante muito tempo.

Tendo nascido em 1193, Clara pertencia a uma família aristocrática e rica. Renunciou à nobreza e à riqueza para viver humilde e pobre, seguindo a forma de vida proposta por Francisco de Assis. Embora os seus parentes, como acontecia nessa época, começavam a programar para ela um matrimónio com uma personalidade importante, Clara, com 18 anos de idade, com um gesto audaz inspirado pelo profundo desejo de seguir Cristo e pela admiração que tinha por Francisco, deixou a casa paterna e, em companhia de uma das suas amigas, Bona de Guelfuccio, uniu-se secretamente aos frades menores na pequena igreja da Porciúncula. Era a tarde do Domingo de Ramos de 1211. Na comoção geral, foi levado a cabo um gesto profundamente simbólico: enquanto os seus companheiros seguravam nas mãos algumas tochas acesas, Francisco cortou-lhe os cabelos e Clara vestiu o rude hábito penitencial. A partir daquele momento, ela tornou-se a virgem esposa de Cristo, humilde e pobre, consagrando-se totalmente a Ele. Como Clara e as suas companheiras, inúmeras mulheres ao longo da história ficaram fascinadas pelo amor a Cristo que, na beleza da sua Pessoa divina, enche o seu coração. E a Igreja inteira, por intermédio da mística vocação nupcial das virgens consagradas, mostra-se como sempre será: a Esposa bonita e pura de Cristo.

Numa das quatro cartas que Clara enviou a Santa Inês de Praga, filha do rei da Boémia, que desejava seguir os seus passos, fala de Cristo, seu amado Esposo, com expressões nupciais que podem causar admiração, mas que comovem: «Amando-o, és casta, tocando-o, serás pura, deixando-te possuir por Ele, és virgem. O seu poder é mais forte, a sua generosidade é mais elevada, o seu aspecto é mais excelso, o amor é mais suave e todas as graças mais sublimes. Já foste conquistada pelo seu abraço, que ornamentou o seu peito com pedras preciosas... coroando-te com um diadema de ouro, marcado com o sinal da santidade» (Primeira Carta: FF, 2862).

Principalmente no início da sua experiência religiosa, Clara encontrou em Francisco de Assis não apenas um mestre cujos ensinamentos devia seguir, mas inclusive um amigo fraterno. A amizade entre estes dois santos constitui um aspecto muito bonito e importante. Com efeito, quando se encontram duas almas puras e inflamadas pelo mesmo amor a Deus, elas haurem da amizade recíproca um estímulo extremamente forte para percorrer o caminho da perfeição. A amizade é um dos sentimentos humanos mais nobres e elevados que a Graça divina purifica e transfigura. Como São Francisco e Santa Clara, também outros Santos viveram uma profunda amizade no caminho rumo à perfeição cristã, como São Francisco de Sales e Santa Joana Francisca de Chantal. E é precisamente São Francisco de Sales que escreve: «É bom poder amar na terra como se ama no céu, e aprendermos a amar neste mundo como havemos de fazer eternamente no outro. Aqui não me refiro ao simples amor de caridade, porque temos que ter este amor por todos os homens; refiro-me à amizade espiritual, no âmbito da qual duas, três ou mais pessoas permutam entre si a devoção e os afectos espirituais, tornando-se realmente um só espírito» (Introdução à vida devota, III, 19).

Depois de ter transcorrido um período de alguns meses no interior de outras comunidades monásticas, resistindo às pressões dos seus familiares que inicialmente não aprovaram a sua escolha, Clara estabeleceu-se com as primeiras companheiras na igreja de São Damião, onde os frades menores tinham organizado um pequeno convento para si mesmos. Naquele mosteiro ela viveu por mais de quarenta anos, até à morte, ocorrida em 1253. Dispomos de uma descrição de primeira mão, sobre o modo como estas mulheres viviam naqueles anos, nos primórdios do movimento franciscano. Trata-se do relatório admirado de um bispo flamengo em visita à Itália, D. Tiago de Vitry, que afirma ter-se encontrado com um grande número de homens e mulheres, de todas as classes sociais que, «deixando tudo por Cristo, fugiam do mundo. Chamavam-se frades menores e irmãs menores e são tidos em grande consideração pelo Senhor Papa e pelos cardeais... As mulheres... vivem juntas, em diversos hospícios não distantes das cidades. Nada recebem, mas vivem do trabalho das suas próprias mãos. E sentem-se profundamente amarguradas e incomodadas, porque são honradas mais do que desejariam por clérigos e leigos» (Carta de Outubro de 1216: FF, 2205.2207).

Tiago de Vitry tinha reconhecido com perspicácia uma característica da espiritualidade franciscana, à qual Clara era muito sensível: a radicalidade da pobreza, associada à confiança total na Providência divina. Por este motivo, ela agiu com grande determinação, obtendo da parte do Papa Gregório IX ou, provavelmente, já do Papa Inocêncio III, o chamado Privilegium paupertatis (cf. FF, 3279). Com base nisto, Clara e as suas companheiras de São Damião não podiam possuir qualquer propriedade material. Tratava-se de uma excepção verdadeiramente extraordinária em relação ao direito canónico então em vigor, e as autoridades eclesiásticas daquela época concederam-no, valorizando os frutos de santidade evangélica, que reconheciam no estilo de vida de Clara e das suas irmãs. Isto demonstra que, também nos séculos da Idade Média, o papel das mulheres não era secundário, mas considerável. A este propósito, é útil recordar que Clara foi a primeira mulher na história da Igreja que compôs uma Regra escrita, submetida à aprovação do Papa, para que o carisma de Francisco de Assis fosse conservado em todas as comunidades femininas, que se iam estabelecendo em grande número já naquela época e que desejavam inspirar-se no exemplo de Francisco e de Clara.

No convento de São Damião, Clara praticou de maneira heróica as virtudes que deveriam distinguir cada cristão: a humildade, o espírito de piedade e de penitência, a caridade. Não obstante fosse a superiora, ela queria servir pessoalmente as irmãs enfermas, sujeitando-se inclusive a tarefas extremamente humildes: com efeito, a caridade ultrapassa qualquer resistência, e quem ama realiza todo o sacrifício com alegria. A sua fé na presença real da Eucaristia era tão grande que, por duas vezes, se verificou um acontecimento milagroso. Só com a ostensão do Santíssimo Sacramento, ela afugentou os soldados mercenários sarracenos, que estavam prestes a invadir o convento de São Damião e a devastar a cidade de Assis.

Também estes episódios, assim como outros milagres dos quais se conservava a memória, impeliram o Papa Alexandre IV a canonizá-la apenas dois anos depois da sua morte, em 1255, delineando um seu elogio na Bula de canonização, em que lemos: «Como é vivo o poder desta luz e como é forte a resplandecência desta fonte luminosa! Na realidade, esta luz mantinha-se fechada no escondimento da vida claustral, enquanto fora irradiava clarões luminosos; recolhia-se num mosteiro angusto, enquanto fora se difundia em toda a vastidão do mundo. Conservava-se dentro e propagava-se fora. Com efeito, Clara escondia-se, mas a sua vida era revelada a todos. Clara calava-se, mas a sua fama clamava» (FF, 3284). E é precisamente assim, estimados amigos: são os Santos que mudam o mundo para melhor, que o transformam de forma duradoura, infundindo as energias que unicamente o amor inspirado pelo Evangelho pode suscitar. Os Santos são os grandes benfeitores da humanidade!

A espiritualidade de Santa Clara, a síntese da sua proposta de santidade é condensada na quarta Carta a Santa Inês de Praga. Santa Clara recorre a uma imagem muito difundida na Idade Média, de ascendências patrísticas: o espelho. E convida a sua amiga de Praga a reflectir-se naquele espelho de perfeição de todas as virtudes, que é o próprio Senhor. Ela escreve: «Sem dúvida, feliz é aquela a quem é concedido beneficiar desta sagrada união, para aderir com o profundo do coração [a Cristo], Àquele cuja beleza é admirada incessantemente por todas as bem-aventuradas plêiades dos céus, cujo afecto apaixona, cuja contemplação restabelece, cuja benignidade sacia, cuja suavidade satisfaz, cuja recordação resplandece suavemente, diante de cujo perfume os mortos voltarão à vida e cuja visão gloriosa tornará bem-aventurados todos os cidadãos da Jerusalém celeste. E dado que Ele é esplendor da glória, candura da luz eterna e espelho sem mancha, olha todos os dias para este espelho, ó rainha esposa de Jesus Cristo, e nela perscruta continuamente o teu rosto, para que assim tu possas adornar-te inteiramente no interior e no exterior... Neste espelho refulgem a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade» (Quarta Carta: FF, 2901-2903).

Gratos a Deus que nos doa os Santos que falam ao nosso coração e nos oferecem um exemplo de vida cristã a imitar, gostaria de concluir com as mesmas palavras de bênção que Santa Clara compôs para as suas irmãs de hábito e que ainda hoje as Clarissas, desempenhando um papel precioso na Igreja com a sua oração e a sua obra, conservam com grande devoção. São expressões em que sobressai toda a ternura da sua maternidade espiritual: «Abençoo-vos na minha vida e após a minha morte, como posso e mais do que posso, com todas as bênçãos com as quais o Pai da misericórdia abençoou e há-de abençoar no céu e na terra os filhos e as filhas, e com as quais um pai e uma mãe espiritual abençoaram e hão-de abençoar os seus filhos e as suas filhas espirituais. Amém!» (FF, 2856).

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

 Palavra de Vida

Agosto de 2024

Silvano Malini e equipa da Palavra de Vida

«Senhor, que bom é nós estarmos aqui!» (Mt 17,4)

Jesus caminhava com os seus discípulos em direção a Jerusalém. Perante o anúncio de que ali deveria sofrer, morrer e ressuscitar, Pedro revoltou-se, expressando a consternação e a incompreensão de todos. Então, o Mestre tomou-o consigo, juntamente com Tiago e João, subiu a um alto monte, e ali se mostrou aos três numa luz nova e extraordinária: o seu rosto resplandeceu como o sol e apareceram Moisés e o profeta Elias a conversar com Ele. O próprio Pai, de uma nuvem luminosa, fez ouvir a Sua voz, convidando-os a escutar Jesus, o Seu Filho predileto. Diante desta surpreendente experiência, Pedro não queria ir-se embora, e exclamou:

«Senhor, que bom é nós estarmos aqui!» (Mt 17,4)

Jesus convidou os seus amigos mais chegados para viverem uma experiência inesquecível, para que a guardassem sempre no seu íntimo. 

Talvez também nós tenhamos experimentado com maravilha e emoção a presença e a ação de Deus na nossa vida, em momentos de alegria, paz e luz que desejávamos que nunca terminassem. É frequente experimentarmos estes momentos juntamente com outras pessoas ou graças a elas. De facto, o amor recíproco atrai a presença de Deus, porque, como Jesus prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles» (Mt 18, 20). Muitas vezes, nestes momentos de intimidade, Ele faz-nos ver quem nós somos e ler os acontecimentos através do Seu olhar.

Estas experiências são-nos concedidas para termos a força de enfrentar as dificuldades, as provas e o cansaço que encontramos no caminho, tendo no coração a certeza de ter sido olhados por Deus, que nos chamou para fazer parte da história da salvação.

De facto, depois de descerem do monte, os discípulos seguiram juntos para Jerusalém, onde os esperava uma multidão cheia de esperança, mas também ciladas, confrontos, ódio e sofrimentos. Dali «serão dispersos e enviados aos confins da terra para serem testemunhas da nossa morada definitiva, o Reino» de Deus [T. Radcliffe, OP, Segunda meditação aos participantes na Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, Sacrofano, 1 de outubro de 2023.]

Puderam começar a construir, já nesta vida, a casa de Deus entre os homens, porque estiveram em casa com Jesus sobre o monte.

«Senhor, que bom é nós estarmos aqui!» (Mt 17,4)

«Levantai-vos e não tenhais medo» (Mt 17,7), foi o convite de Jesus no final desta extraordinária experiência. É-nos dirigido também a nós. Como os seus discípulos e amigos, poderemos enfrentar com coragem aquilo que nos espera.

Foi o que aconteceu também a Chiara Lubich. Estava a terminar um período de férias tão rico de luz que foi designado o paraíso de 1949, devido à perceção da presença de Deus na pequena comunidade com quem transcorria esse tempo de repouso e à extraordinária contemplação dos mistérios da fé. Também ela sentia o desejo de não regressar à vida de todos os dias. Fê-lo com um novo ímpeto, porque compreendeu que, precisamente por essa experiência de iluminação, devia descer do monte e colocar-se em ação como instrumento de Jesus na realização do seu Reino, injetando o Seu amor e a Sua luz onde eram mais necessários, mesmo através de fadiga e de sofrimentos.

«Senhor, que bom é nós estarmos aqui!» (Mt 17,4)

Mas, se porventura nos vier a faltar a luz, devemos voltar com o coração e com a mente aos momentos em que o Senhor nos iluminou. Se ainda não tivermos feito a experiência da sua proximidade, procuremo-la. Será preciso fazer o esforço de subir ao monte para ir ao Seu encontro no próximo, para O adorar nas nossas igrejas, e também para O contemplar na beleza da natureza. 

Porque Ele está sempre ali para nós: basta que caminhemos com Ele e, fazendo silêncio, nos coloquemos humildemente à escuta, tal como Pedro, João e Tiago  [Cf. Mt 17, 6.].

segunda-feira, 1 de julho de 2024

A Regra de São Macário

COMIENZA LA REGLA DE SAN MACARIO[1] ABAD,

QUE TUVO BAJO SU JURISDICCIÓN A CINCO MIL MONJES


Capítulo 1

                1Los soldados de Cristo deben acomodar sus pasos del siguiente modo: 2observando perfectísimamente la caridad entre sí, 3y amar a Dios con toda el alma, con toda la mente, Con todo el corazón y con todas sus fuerzas[2].

Capítulo 2

                1Practicando continuamente entre sí una perfectísima obediencia, 2pacíficos, mansos, moderados, 3no (siendo) soberbios, ni injuriosos, ni murmuradores, ni burlones, ni demasiado locuaces, ni presuntuosos, 4no buscando su propio deleite sino el de Cristo, para quien militan; 5sin complacerse en hablar mal ni en contradecir a alguien; 6no (siendo) perezosos en su servicio, prontos para la oración, 7perfectos en la humildad, dispuestos a la obediencia, asiduos a las vigilias, gozosos en los ayunos.

Capítulo 3

                1Nadie se juzgue a sí mismo más justo que otro, 2sino que cada uno se tenga en poco y se considere inferior a todos, 3porque el que se exalta será humillado y el que se humilla será exaltado[3].

Capítulo 4

            1Recibe la orden de un anciano como la salvación. 2No hagas ningún trabajo murmurando. 3No opongas a una orden una respuesta negativa.

Capítulo 5

            1No te enorgullezcas o te exaltes cuando hagas una obra útil. 2No te alegres si has logrado alguna ganancia, 3ni te aflijas si has sufrido una pérdida.

Capítulo 6

            1No te dejes arrastrar por ninguna familiaridad hacia el siglo, 2sino que todo tu amor permanezca en el monasterio. 3Considera el monasterio como un paraíso, 4confía en que tus hermanos espirituales serán tus parientes eternos.

Capítulo 7

            1Teme al prepósito del monasterio como a Dios mismo, ámalo como a un padre. 2Igualmente es necesario también amar a todos los hermanos, 3con quienes también confías verte en la gloria de Cristo.

Capítulo 8

                1No odies el trabajo penoso, 2no busques la ociosidad; 3agotado por las vigilias, empapado de transpiración por los trabajos justos, durmiendo mientras caminas, 4llega cansado al lecho, y cree que tú reposas con Cristo.

Capítulo 9

                1Y, por sobre todo, ama el curso litúrgico del monasterio. 2Quien verdaderamente quiera orar con frecuencia, 3encontrará una más abundante misericordia junto a Cristo.

Capítulo 10

            1Recitados los matutinos, los hermanos estudiarán hasta la segunda hora, 2siempre que no haya una causa, 3que obligue a suprimir también el estudio, para hacer algo en común.

Capítulo 11

            1Después de la segunda hora cada uno estará disponible para su trabajo hasta la novena hora, 2y todo lo que le sea mandado lo hará sin murmuración, 3como lo enseña el santo Apóstol.

Capítulo 12

                1Si alguno murmurara o fuera contestador, 2o se mostrara de mala voluntad en algo respecto a lo mandado, 3sea corregido como corresponde según el arbitrio del anciano y la gravedad de la falta; 4se lo mantendrá aparte por todo el tiempo que la naturaleza de la falta lo exija 5y hasta que, haciendo penitencia, se humille y se corrija como corresponde. 6El hermano que ha sido corregido no se atreva a marchar a ninguna parte.

Capítulo 13

                1Si algunos de los hermanos que están en el oratorio o que habitan en las celdas 2se solidariza con el error de él, será (considerado) culpable.

Capítulo 14

                1Dada la señal para la hora de la oración, 2aquel que no abandona inmediatamente toda obra que esté por hacer 3-porque nada se debe anteponer a la oración-, para estar disponible, 4será dejado afuera, para que se avergüence.

Capítulo 15

                1Cada uno de los hermanos hará verdaderamente un esfuerzo, 2para que en el tiempo en que se celebran los oficios -en las vigilias deben velar-, 3cuando todos se reúnen, 4aquel que esté abrumado por el sueño, 5que salga afuera y no se ocupe en fábulas, 6sino que inmediatamente vuelva a la obra para la cual se han reunido. 7En la reunión misma donde se hace la lectura, 8tengan siempre el oído (atento) a las Escrituras y observen todos el silencio.

Capítulo 16

                1Se tuvo que agregar también esto: 2el hermano que por cualquier falta es acusado o reprendido, 3tenga paciencia y no responda al que lo reprende, 4sino humíllese en todo, según el precepto del Señor que dice: 5Dios da la gracia a los humildes, pero resiste a los soberbios[4], 6y quien se humilla, será exaltado[5].

Capítulo 17

                1A aquel que, corregido a menudo, no se enmienda, 2se le ordenará colocarse en el último lugar en el orden (de la comunidad). 3Si ni siquiera así se enmendara, 4se lo tratará como a extranjero, tal como lo dice el Señor: Que sea para ti como un pagano y un publicano.

Capítulo 18

                1En la mesa, especialmente, nadie hablará, 2excepto el que preside y aquel que fuera interrogado.

Capítulo 19

                1Ninguno se enorgullecerá de su pericia ni de su voz, 2sino que se alegrará en el Señor por la humildad y la obediencia.

Capitulo 20

                1Cultiven la hospitalidad en todas las circunstancias, y no apartes los ojos para dejar al pobre sin nada, 2no sea que el Señor venga a ti en el huésped o en el pobre, 3te vea dudar y te condene. 4Pero muéstrate alegre con todos y obra fielmente.

Capítulo 21

                1“Al padecer una injuria, calla”. 2“No sepas hacer injuria, (pero) sé capaz de tolerar la que te hagan”. 3Que no te seduzcan consejos vanos, 4sino afírmate siempre más en Cristo. 5No estimes (tener) parientes más próximos que tus hermanos, 6que están contigo en el monasterio.

Capítulo 22

                1Si hay que ir a buscar las cosas necesarias para el monasterio, saldrán dos o tres hermanos, 2 y solamente aquellos a los que se les tiene confianza, 3no los que se entregan a la charlatanería o la gula.

Capítulo 23

                1Por tanto, si alguien quisiera dejar el mundo y llevar vida religiosa en el monasterio, 2se le leerá la regla al entrar y se le expondrán todos los usos del monasterio. 3Si acepta todo buenamente, entonces sea recibido dignamente por los hermanos en el monasterio.

Capítulo 24

                1Si quisiera traer algún bien (material) al monasterio, 2sea puesto en la mesa ante todos los hermanos, como lo prescribe la regla. 3Si fuera aceptada la ofrenda, no sólo del bien que trajo, 4sino tampoco ni de sí mismo podrá disponer desde aquel momento. 5Pues si algo distribuyó anteriormente a los pobres o, viniendo al monasterio, trajo alguna cosa para los hermanos, 6sin embargo, (ya) no le es lícito tener alguna cosa en su poder.

Capítulo 25

                1Si después de tres días quisiera irse por cualquier motivo de discordia, 2no recibirá absolutamente nada sino el vestido con el cual vino; 3y si muriese, ninguno de sus herederos debe ir (al juez). 4Si quisiera impulsar (un juicio), 5se le leerá la regla, y (así) se lo cubrirá de vergüenza y se irá confundido, 6porque también le fue hecha la lectura a aquel que exigía los bienes.

Capítulo 26

                1Por tanto, por cualquier causa que faltare un hermano, 2será excluido de la oración y sometido a rigurosos ayunos. 3Si pidiese perdón postrado delante de todos los hermanos, se lo perdonará.

Capítulo 27

                1Pero si quisiera persistir en su pecado y soberbia y dice: 2“No puedo seguir, pero tomaré mi manto y me iré donde me quiera Dios”, 3el primero de los hermanos que le oiga decir esto, 4se lo referirá al prepósito, y el prepósito al abad. 5El abad se sentará delante de todos los hermanos, 6mandará traerlo, (y después) de corregirlo con golpes, se hará oración (por él), y así se lo recibirá en la comunión. 7Porque si no se enmendara con sana doctrina, se curará con golpes.

Capítulo 28

                1Si por casualidad algún hermano quisiera salir del monasterio por cualquier motivo de discordia, 2nada absolutamente se le pondrá sino un vestido ridiculísimo, 3y que se vaya el infiel fuera de la comunión. 4Pues los mansos y los pacíficos se apoderan del reino de lo alto, 5y son contados como hijos del Altísimo, y reciben preciosas coronas resplandecientes; 6en cambio, los hijos de las tinieblas irán a las tinieblas exteriores[6]. 7¿Sobre quién descansaré, dice el Señor, sino sobre el humilde, el paciente y el que teme mis palabras?

Capítulo 29

                1He aquí también algo que debe observarse: 2los que infringen el ayuno en la cuarta (miércoles) y la sexta (viernes) feria se hacen pasivos de una pena grave.

Capítulo 30

                1Esto también hay que agregar: 2que dentro del monasterio nadie haga artesanía, 3sino aquel cuya fe fuera probada, 4y que hará lo que pueda hacer para utilidad y para las necesidades del monasterio.



[1] Macario nació en el alto Egipto, hacia el año 300, y pasó su juventud como pastor. Movido por una intensa gracia, se retiró del mundo a temprana edad, confinándose en una estrecha celda, donde repartía su tiempo entre la oración, las prácticas de penitencia y la fabricación de esteras. Una mujer le acusó falsamente de que había intentado hacerle violencia. A resultas de ello, Macario fue arrastrado por las calles, apaleado y tratado de hipócrita disfrazado de monje. Todo lo sufrió con paciencia, y aun envió a la mujer el producto de su trabajo, diciéndose: «Macario, ahora tienes que trabajar más, pues tienes que sostener a otro». Pero Dios dio a conocer su inocencia: la mujer que le había calumniado no pudo dar a luz, hasta que reveló el nombre del verdadero padre del niño. Con ello, el furor del pueblo se tornó en admiración por la humildad y paciencia del santo. Para huir de la estima de los hombres, Macario se refugio en el vasto y melancólico desierto de Escete, cuando tenía alrededor de treinta años. Allí vivió sesenta años y fue el padre espiritual de innumerables servidores de Dios que se confiaron a su dirección y gobernaron sus vidas con las reglas que él les trazó. Todos vivían en ermitas separadas. Sólo un discípulo de Macario vivía con él y se encargaba de recibir a los visitantes. Un obispo egipcio mandó a Macario que recibiera la ordenación sacerdotal a fin de que pudiese celebrar los divinos misterios para sus ermitaños. Más tarde, cuando los ermitaños se multiplicaron, fueron construidas cuatro iglesias, atendidas por otros tantos sacerdotes.

Las austeridades de Macario eran increíbles. Sólo comía una vez por semana. En una ocasión, su discípulo Evagrio, al verle torturado por la sed, le rogó que tomase un poco de agua; pero Macario se limitó a descansar brevemente en la sombra, diciéndole: «En estos veinte años, jamás he comido, bebido, ni dormido lo suficiente para satisfacer a mi naturaleza». Su cuerpo estaba debilitado y tembloroso; su rostro, pálido. Para contradecir sus inclinaciones, no rehusaba beber un poco de vino, cuando otros se lo pedían, pero después se abstenía de toda bebida durante dos o tres días. En vista de lo cual, sus discípulos decidieron impedir que los visitantes le ofrecieran vino. Macario empleaba pocas palabras en sus consejos, y recomendaba el silencio, el retiro y la continua oración -sobre todo esta última- a toda clase de personas. Acostumbraba decir: «En la oración no hace falta decir muchas cosas ni emplear palabras escogidas. Basta con repetir sinceramente: Señor, dame las gracias que Tú sabes que necesito. O bien: Dios mío, ayúdame». Su mansedumbre y paciencia eran extraordinarias, y lograron la conversión de un sacerdote pagano y de muchos otros.Macario ordenó a un joven que le pedía consejos que fuese a un cementerio a insultar a los muertos y a alabarlos. Cuando volvió el joven, Macario le preguntó qué le habían respondido los difuntos. «Los muertos no contestaron a mis insultos, ni a mis alabanzas», le dijo el joven. «Pues bien, -le aconsejó Macario-, haz tú lo mismo y no te dejes impresionar ni por los insultos, ni por las alabanzas. Sólo muriendo para el mundo y para ti mismo, podrás empezar a servir a Cristo». A otro le aconsejó: «Está pronto a recibir de la mano de Dios la pobreza, tan alegremente como la abundancia; así dominarás tus pasiones y vencerás al demonio». Como cierto monje se quejara de que en la soledad sufría grandes tentaciones para quebrantar el ayuno, en tanto que en el monasterio lo soportaba gozosamente, Macario le dijo: «El ayuno resulta agradable cuando otros lo ven, pero es muy duro cuando está oculto a las miradas de los hombres». Un ermitaño que sufría de fuertes tentaciones de impureza, fue a consultar a Macario. El santo, después de examinar el caso, llegó el convencimiento de que las tentaciones se debían a la indolencia del ermitaño; así pues, le aconsejó que no comiera nunca antes de la caída del sol, que se entregara a la contemplación durante el trabajo, y que trabajara sin cesar. El otro siguió estos consejos y se vio libre de sus tentaciones. Dios reveló a Macario que no era tan perfecto como dos mujeres casadas que vivían en la ciudad. El santo fue a visitarlas para averiguar los medios que empleaban para santificarse, y descubrió que nunca decían palabras ociosas ni ásperas; que vivían en humildad, paciencia y caridad, acomodándose al humor de sus maridos, y que santificaban todas sus acciones con la oración, consagrando a la gloria de Dios todos sus fuerzas corporales y espirituales.

Un hereje de la secta de los hieracitas, que negaban la resurrección de los muertos, había inquietado en su fe a varios cristianos. Sozomeno, Paladio y Rufino relatan que san Macario resucitó a un muerto para confirmar a esos cristianos en su fe. Según Casiano, el santo se limitó a hacer hablar al muerto y le ordenó que esperase la resurrección en el sepulcro. Lucio, obispo arriano que había usurpado la sede de Alejandría, envió tropas al desierto para que dispersaran a los piadosos monjes, algunos de los cuales sellaron con su sangre el testimonio de su fe. Los principales ascetas. Isidoro, Pambo, los dos Macarios y algunos otros, fueron desterrados a una pequeña isla del delta del Nilo, rodeada de pantanos. El ejemplo y la predicación de los hombres de Dios convirtieron a todos los habitantes de la isla, que eran paganos. Lucio autorizó más tarde a los monjes a retornar a sus celdas. Sintiendo que se acercaba su fin, Macario hizo una visita a los monjes de Nitria y les exhortó, con palabras tan sentidas, que éstos se arrodillaron a sus pies llorando. «Sí, hermanos -les dijo Macario-, dejemos que nuestros ojos derramen ríos de lágrimas en esta vida, para que no vayamos al sitio en que las lágrimas alimentan el fuego de la tortura». Macario fue llamado por Dios a los noventa años, después de haber pasado sesenta en el desierto de Escete. Según el testimonio de Casiano, Macario fue el primer anacoreta de ese vasto desierto. Algunos autores sostienen que fue discípulo de san Antonio, pero es imposible que haya vivido bajo la dirección de este santo, antes de retirarse al desierto. Sin embargo, parece que más tarde visitó una o varias veces a san Antonio, quien vivía a unos quince días de viaje del sitio donde habitaba san Macario. En los ritos copto y armenio, el canon de la misa conmemora a san Macario.

[2] Cf. Mc 12, 30-31; Lc 10, 27; Deut. 6, 5

[3] Cf. Mt 23, 12.

[4] Cf. Pr 3, 34; Tg 4, 6

[5] Cf. Lc 14, 11

[6] Cf. Mt 8, 12