sábado, 1 de março de 2025

 

Palavra de Vida

Março 2025

Augusto Parody Reyes e equipa da Palavra de Vida

«Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (Lc 6,41)

Jesus desce da montanha, depois de uma noite em oração, e escolhe os seus apóstolos. Tendo chegado a um local plano, dirige-lhes um longo discurso que começa com a proclamação das Bem-Aventuranças.

No texto de Lucas, ao contrário de Mateus, elas são apenas quatro e referem-se aos pobres, aos que têm fome, aos que sofrem e aos aflitos, acrescentando outras tantas advertências contra os ricos, os que estão saciados e os arrogantes [Cf. Lc 6,20-26]. Jesus faz desta predileção de Deus pelos últimos a sua missão. Na sinagoga de Nazaré [Cf. Lc 4,16-21] tinha afirmado que o Espírito do Senhor estava sobre ele e o enviava a anunciar a boa nova aos pobres, a libertação aos cativos e a liberdade aos oprimidos.

Logo a seguir, Jesus exorta os discípulos a amar até os inimigos [Cf. Lc 6,27-35]. Mensagem que tem o seu fundamento no comportamento do Pai celeste: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6,36).

Este apelo é o ponto de partida para o que se segue: «Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados» (Lc 6,37). Depois, Jesus faz uma advertência usando uma imagem intencionalmente desproporcionada:

«Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (Lc 6,41)

Jesus conhece bem o nosso coração. Quantas vezes, na vida de cada dia, fazemos esta triste experiência: é fácil criticar – até com severidade – os erros ou fragilidades de um irmão ou de uma irmã, sem nos apercebermos que, ao fazê-lo, estamos a atribuir-nos uma prerrogativa que pertence só a Deus. A verdade é que, para “tirarmos a trave” da nossa vista precisamos daquela humildade que nasce da consciência de sermos pecadores, continuamente necessitados do perdão de Deus. Só quem tem a coragem de tomar consciência da sua própria “trave”, daquilo de que precisa para se converter, poderá compreender – sem julgar e sem exagerar – as fragilidades e fraquezas, suas e dos outros.

Contudo, Jesus não nos pede para fechar os olhos e deixar andar as coisas. Ele quer que os seus seguidores se ajudem reciprocamente a progredir pelo caminho de uma vida nova. Também o apóstolo Paulo pede com insistência que nos preocupemos com os outros: corrigindo os indisciplinados, confortando os desanimados, amparando os fracos e sendo pacientes com todos [Cf. 1Ts 5,14]. Só o amor é capaz de tal serviço.

«Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (Lc 6,41)

Como colocar em prática esta palavra de vida?

Para além do que já foi dito, podemos começar, neste tempo de Quaresma, por pedir a Jesus que nos ensine a ver os outros como ele os vê, como Deus os vê. E Deus vê com os olhos do coração, porque o Seu é um olhar de amor. Em seguida, para nos ajudarmos reciprocamente, poderemos recuperar uma prática que foi determinante para o primeiro grupo de raparigas dos Focolares, em Trento.

«No início – conta Chiara Lubich a um grupo de amigos muçulmanos – nem sempre era fácil viver a radicalidade do amor. […] Também entre nós, nos nossos relacionamentos, podia criar-se poeira, e a unidade podia esmorecer. Isso acontecia, por exemplo, quando se notavam os defeitos, as imperfeições dos outros e se começava a julgar, impedindo assim a corrente do amor recíproco. Para reagir a esta situação, um dia pensámos em estabelecer um pacto entre nós, a que chamámos “pacto de misericórdia”. Decidimos ver, todas as manhãs, o próximo que encontrávamos – em casa, na escola, no trabalho, etc. – de um modo novo, sem nos lembrarmos dos seus defeitos, mas cobrindo tudo com o amor. […] Era um compromisso forte, que assumimos todas juntas, e que ajudava cada uma a ser sempre a primeira a amar, à imitação de Deus misericordioso, que perdoa e esquece» [C. Lubich, «O amor ao próximo», Discurso a um grupo de amigos muçulmanos, Castel Gandolfo, 1/11/2002. Em C. Lubich, O amor recíproco, Cidade Nova, Abrigada 2013, pp. 89-90].

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

 CINCO CHAGAS DE CRISTO

A devoção às Cinco Chagas de Cristo, isto é, das feridas que Cristo recebeu na cruz e manifestou aos Apóstolos depois da sua ressurreição, foi impulsionada durante a Idade Média por São Bernardo de Claraval (1090-1153) nos territórios cistercienses. Devoção muito viva entre os portugueses desde os começos da nacionalidade e confirmada pelos Romanos pontífices. São disso testemunho a literatura religiosa e a onomástica referentes a pessoas e instituições. Os Lusíadas sintetizam (I, 7) o simbolismo que, tradicionalmente, relaciona as armas da bandeira nacional com as Chagas de Cristo. Assim, os Romanos Pontífices, a partir de Bento XIV, concederam a Portugal uma festa particular, que, ultimamente, veio a ser fixada neste dia.

Deus de infinita misericórdia,

que, por meio do vosso Filho unigénito, pregado na cruz,

quisestes salvar todos os homens,

concedei-nos que, venerando na terra as suas santas Chagas,

mereçamos gozar no céu o fruto redentor do seu Sangue.

Ele que é Deus e convosco vive e reina,

na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Palavra de Vida

Fevereiro 2025

Patrizia Mazzola e equipa da Palavra de Vida

«Avaliai tudo, conservando o que for bom» (1Ts 5,21)

A palavra deste mês é retirada de uma série de recomendações finais que o apóstolo Paulo faz à comunidade dos Tessalonicenses: «Não apagueis o Espírito. Não desprezeis as profecias. Avaliai tudo, conservando o que for bom. Afastai-vos de toda a espécie de mal» [1Ts 5, 19-22]. Profecia e discernimento, diálogo e escuta. Estas são as indicações de Paulo à comunidade, que tinha iniciado pouco tempo antes o seu caminho de fé.

Entre os vários dons do Espírito, Paulo valorizava muito o da profecia [Cf. João Paulo II, Audiência Geral, 24.06.1992, n.7]. O profeta não é aquele que prevê o futuro, mas aquele que tem o dom de ver e compreender a história pessoal e coletiva do ponto de vista de Deus.

Mas todos os dons são orientados pelo dom maior, a caridade, o amor fraterno [Cf. 1Cor 13]. Agostinho de Hipona afirma que só a caridade permite fazer o discernimento da atitude a assumir perante as diferentes situações [Cf. Agostinho de Hipona, Ep. Jo. 7, 8].

«Avaliai tudo, conservando o que for bom» (1Ts 5,21)

É preciso ser capaz de não olhar apenas para os dons pessoais, mas também para as muitas potencialidades e a multiplicidade de visões e de opiniões que se apresentam diante de nós, naqueles que vivem ao nosso lado e com quem nos relacionamos, e até nas pessoas que encontramos por acaso. É importante, com todos, manter a autenticidade no coração e também ter a consciência dos limites do nosso ponto de vista.

Esta palavra de vida poderia ser um lema a adotar em todas as situações de diálogo e de confronto. Escutar o outro – não necessariamente para aceitar tudo, mas sabendo que é possível encontrar algo de bom naquilo que ele diz – favorece uma abertura do coração e do pensamento. É fazer o vazio dentro de nós, por amor, e ter assim a possibilidade de construir algo juntos.

«Avaliai tudo, conservando o que for bom» (1Ts 5,21)

Fr. Timothy Radcliffe, um dos teólogos presentes no Sínodo dos Bispos da Igreja Católica, afirmou que «a coisa mais corajosa que podemos fazer neste sínodo é ser sinceros entre nós em relação às nossas dúvidas e às nossas perguntas, aquelas para as quais não temos respostas claras. Tornar-nos-emos então mais próximos como companheiros de procura, mendicantes da verdade» [Fr. Timothy Radcliffe, Meditação n.º 3, Amizade, Sínodo dos Bispos, Sacrofano, 2.10.2023]

Numa conversação com alguns focolarinos, Margaret Karram comentou assim esta reflexão: «Pensando nisto, dei-me conta que muitas vezes não tive a coragem de dizer realmente aquilo que pensava: talvez pelo receio de não ser compreendida, talvez para não dizer algo completamente diferente da opinião da maioria. Compreendi que ser “mendicantes da verdade” significa ter aquela atitude de proximidade, uns para com os outros, pela qual todos queremos aquilo que Deus quer, todos juntos procuramos o bem» [Margaret Karram, Presidente do Movimento dos Focolares, dálogo com os focolarinos, Rocca di Papa, 3.02.2024].

«Avaliai tudo, conservando o que for bom» (1Ts 5,21)

É esta a experiência de Antía, que participa no grupo de artes performativas Mosaico, nascido na Espanha, em 2017, como Gen Rosso Local Project. Este grupo é composto por jovens espanhóis que, através da sua arte e Workshops, partilham a sua experiência de fraternidade. 

Antía conta-nos: «É a ligação com os meus valores: um mundo fraterno, onde cada um (mesmo os mais jovens, inexperientes, vulneráveis…) dá o seu próprio contributo para este projeto. Mosaico faz-me acreditar que um mundo mais unido não é uma utopia, apesar das dificuldades e do trabalho duro que comporta. Cresci neste trabalho em grupo, com um diálogo que, por vezes, pode parecer demasiado frontal e que obriga muitas vezes a renunciar às minhas ideias que eu considerava as melhores. E o resultado é que “o bem” é construído pedaço a pedaço juntos, por todos nós» [Mosaico GRLP faz parte do projeto Fortes Sem Violência, que leva a novas cidades workshops multidisciplinares com os jovens durante três dias, procurando transmitir os valores da não-violência, da paz e do diálogo através da arte].

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

PAPA BENTO XVI - AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI

Quarta-feira, 2 de Março de 2011

São Francisco de Sales

Amados irmãos e irmãs

«Dieu est le Dieu du coeur humain» [Deus é o Deus do coração humano] (Tratado do Amor de Deus, I, XV): nestas palavras aparentemente simples vemos a característica da espiritualidade de um grande mestre, do qual gostaria de vos falar hoje: são Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja. Nasceu em 1567, numa região francesa de fronteira, filho do Senhor de Boisy, antiga e nobre família de Sabóia. Viveu entre dois séculos, XVI-XVII, e reuniu em si o melhor dos ensinamentos e das conquistas culturais do século que terminava, reconciliando a herança do humanismo com o impulso rumo ao absoluto, próprio das correntes místicas. A sua formação foi muito atenta; realizou os estudos superiores em Paris, dedicando-se também à teologia, e na Universidade de Pádua fez os estudos de jurisprudência, como desejava o pai, concluindo-os de modo brilhante, com uma licenciatura in utroque iure, direito canónico e direito civil. Na sua juventude harmoniosa, ponderando sobre o pensamento dos santos Agostinho e Tomás de Aquino, teve uma crise profunda que o levou a interrogar-se sobre a própria salvação eterna e acerca da predestinação de Deus no que se lhe referia, padecendo como verdadeiro drama espiritual as principais questões teológicas da sua época. Rezava intensamente, mas a dúvida atormentou-o de maneira tão forte, que durante algumas semanas praticamente não conseguiu comer nem dormir. No ápice da provação foi à igreja dos Dominicanos, em Paris, abriu o seu coração e orou assim: «Aconteça o que acontecer, Senhor, Vós que tendes tudo nas vossas mãos, e cujos caminhos são justiça e verdade; independentemente do que tiverdes estabelecido a meu propósito...; Vós que sois sempre Juiz justo e Pai misericordioso, amar-vos-ei, ó Senhor […] amar-vos-ei aqui, ó meu Deus, e esperarei sempre na vossa misericórdia, e repetirei sempre o vosso louvor... Ó Senhor Jesus, Vós sereis sempre a minha esperança e a minha salvação, na terra dos vivos» (I Proc. Canon., vol. I, art 4). Francisco, então com vinte anos, encontrou a paz na realidade radical e libertadora do amor de Deus: amá-lo sem nada pedir em troca, confiando no amor divino; já não perguntar o que Deus fará de mim: amo-O simples e independentemente de quanto Ele me concede ou não. Assim encontrou a paz, e a questão da predestinação — sobre a qual se debatia naquela época — tinha sido resolvida, porque ele não buscava mais do que podia receber de Deus; amava-O simplesmente, abandonando-se à sua bondade. E este será o segredo da sua vida, que transparecerá na sua obra principal: o Tratado do amor de Deus.

Vencendo as resistências do pai, Francisco seguiu o chamamento do Senhor e, no dia 18 de Dezembro de 1593, foi ordenado sacerdote. Em 1602 tornou-se Bispo de Genebra, num período em que a cidade era uma fortaleza do Calvinismo, a tal ponto que a sede episcopal se encontrava «no exílio», em Annecy. Pastor de uma diocese pobre e atormentada, na paisagem montanhosa da qual conhecia bem tanto a dureza como a beleza, ele escreve: «Encontrei-O [Deus] repleto de candor e suavidade, no meio das nossas montanhas mais altas e íngremes, onde muitas almas simples O amavam e adoravam com toda a verdade e sinceridade; cabritos-monteses e corças corriam aqui e ali, no meio de geleiras assustadoras, para anunciar os seus louvores» (Carta à Madre de Chantal, Outubro de 1606, em Oeuvres, Ed. Mackey, T. XIII, p. 223). E no entanto, a influência da sua vida e do seu ensinamento na Europa dessa época e dos séculos seguintes parece imensa. É apóstolo, pregador, escritor, homem de acção e de oração; comprometido na realização dos ideais do Concílio de Trento; empenhado na controvérsia e no diálogo com os protestantes, experimentando cada vez mais, para além do necessário confronto teológico, a eficácia da relação pessoal e da caridade; encarregado de missões diplomáticas a nível europeu, e de tarefas sociais de mediação e de reconciliação. Mas sobretudo, são Francisco de Sales é guia de almas: do encontro com uma jovem, a senhora de Charmoisy, encontrará inspiração para escrever um dos livros mais lidos na era moderna, a Introdução à vida devota; da sua profunda comunhão espiritual com uma personalidade extraordinária, santa Joana Francisca de Chantal, nascerá uma nova família religiosa, a Ordem da Visitação, caracterizada — como o santo desejava — por uma consagração total a Deus, vivida na simplicidade e na humildade, a cumprir extraordinariamente bem as tarefas ordinárias: «…quero que as minhas Filhas — escreve — não tenham outro ideal, a não ser o de glorificar [Nosso Senhor] com a sua humildade» (Carta a mons. de Marquemond, Junho de 1615). Faleceu em 1622, com cinquenta e cinco anos de idade, depois de uma existência marcada pela dureza dos tempos e da obra apostólica.

A vida de são Francisco de Sales foi relativamente breve, mas vivida com grande intensidade. Da figura deste santo emana uma impressão de rara plenitude, demonstrada na tranquilidade da sua investigação intelectual, mas também na riqueza dos seus afectos, na «docilidade» dos seus ensinamentos, que tiveram uma grande influência sobre a consciência cristã. Da palavra «humanidade» ele encarnou várias acepções que, tanto hoje como ontem, este termo pode adquirir: cultura e cortesia, liberdade e ternura, nobreza e solidariedade. No aspecto tinha algo da majestosidade da paisagem em que viveu, conservando também a sua simplicidade e naturalidade. As antigas palavras e imagens com que se expressava ressoam inesperadamente, até aos ouvidos do homem contemporâneo, como uma língua nativa e familiar.

Na Filotea, destinatária ideal da sua Introdução à vida devota (1607), Francisco de Sales dirige um convite que, nessa época, podia parecer revolucionário. Trata-se do convite a pertencer completamente a Deus, vivendo em plenitude a presença no mundo e as tarefas da sua condição. «A minha intenção é de instruir aqueles que vivem nas cidades, no estado conjugal, na corte […]» (Prefácio da Introdução à vida devota). O Documento com que o Papa Pio ix, mais de dois séculos depois, o proclamará Doutor da Igreja, insistirá sobre esta ampliação da chamada à perfeição, à santidade. Nele está escrito: «[A verdadeira piedade] chegou a penetrar até no trono dos reis, na tenda dos chefes dos exércitos, no pretório dos juízes, nos escritórios, nas oficinas e nas cabanas dos pastores […]» (Breve Dives in misericordia, 16 de Novembro de 1877). Assim nascia aquele apelo aos leigos, o cuidado pela consagração das realidades temporais e pela santificação da vida diária, sobre o qual insistirão depois o Concílio Vaticano II e a espiritualidade do nosso tempo. Manifestava-se o ideal de uma humanidade reconciliada, na sintonia entre acção no mundo e oração, entre condição secular e busca da perfeição, com a ajuda da Graça de Deus, que permeia o humano e, sem o destruir, o purifica, elevando-o às alturas divinas. A Teótimo, o cristão adulto, espiritualmente maduro, ao qual dirige alguns anos depois o seu Tratado do amor de Deus (1616), são Francisco de Sales oferece uma lição mais complexa. Ela supõe, no início, uma visão específica do ser humano, uma antropologia: a «razão» do homem, aliás, a sua «alma razoável», é aí vista como uma construção harmoniosa, um templo subdividido em vários espaços, ao redor de um centro ao qual ele chama, juntamente com os grandes místicos, «cimo», «ponta» do espírito, ou «fundo» da alma. É o ponto em que a razão, percorrendo todas as suas fases, «fecha os olhos» e o conhecimento se torna um só com o amor (cf. livro I, cap. XII). Que o amor, na sua dimensão teologal e divina seja a razão de ser de todas as realidades, numa escada ascendente que não parece conhecer fracturas nem abismos, são Francisco de Sales resumiu-o nesta frase célebre: «O homem é a perfeição do universo; o espírito é a perfeição do homem; o amor é a do espírito, e a caridade a do amor» (Ibid., livro X, cap. I).

Num período de intenso florescimento místico, o Tratado do amor de Deus é uma verdadeira suma, e ao mesmo tempo uma obra literária fascinante. A sua descrição do itinerário rumo a Deus começa a partir do reconhecimento da «inclinação natural» (Ibid., livro I, cap. XVI), inscrita no coração do homem, também do pecador, a amar a Deus acima de todas as coisas. Segundo o modelo da Sagrada Escritura, são Francisco de Sales fala da união entre Deus e o homem, desenvolvendo toda uma série de imagens de relação interpessoal. O seu Deus é pai e senhor, esposo e amigo, tem características maternas e de nutriz, é o sol do qual até a noite é uma misteriosa revelação. Este Deus atrai o homem a Si com vínculos de amor, ou seja, de verdadeira liberdade: «Pois o amor não tem forçados nem escravos, mas reduz tudo à sua obediência com um vigor tão delicioso que, se nada é tão forte como o amor, nada é tão amável como a sua força» (Ibid., livro I, cap. VI). No Tratado do nosso santo encontramos uma meditação profunda sobre a vontade humana e a descrição do seu fluir, passar e morrer para viver (cf. ibid., livro IX, cap. XIII) no abandono completo não apenas à vontade de Deus, mas àquilo que é do seu agrado, ao seu «bon plaisir», ao seu beneplácito (cf. ibid., livro IX, cap. I). No ápice da união com Deus, além dos arrebatamentos da êxtase contemplativa, coloca-se aquele fluxo de caridade concreta, que se faz atenta a todas as necessidades do próximo, à qual ele chama «êxtase da vida e das obras» (Ibid., livro VII, cap. VI).

Lendo o livro sobre o amor de Deus e ainda mais as numerosas cartas de guia e de amizade espiritual, compreende-se bem como são Francisco de Sales foi um grande conhecedor do coração humano. A santa Joana de Chantal, a quem escreve: «[…] Eis a regra da nossa obediência, que te escrevo com caracteres grandes: fazer tudo por amor, nada por força — amar mais a obediência do que temer a desobediência. Deixo-te o espírito de liberdade, não aquele que exclui a obediência, porque ela é a liberdade do mundo; mas aquele que exclui a violência, a ansiedade e o escrúpulo» (Carta, 14 de Outubro de 1604). Não é por acaso que, na origem de muitas formas da pedagogia e da espiritualidade do nosso tempo, encontramos precisamente o vestígio deste mestre, sem o qual não teriam existido são João Bosco, nem o heróico «pequeno caminho» de santa Teresa de Lisieux.

Caros irmãos e irmãs, num período como o nosso que procura a liberdade, mesmo com violência e inquietação, não deve passar despercebida a actualidade deste grande mestre de espiritualidade e de paz, que transmite aos seus discípulos o «espírito de liberdade», aquela verdadeira, no ápice de um ensinamento fascinante e completo sobre a realidade do amor. São Francisco de Sales é uma testemunha exemplar do humanismo cristão; com o seu estilo familiar, com parábolas que às vezes têm as asas da poesia, recorda que o homem traz inscrita no profundo de si mesmo a saudade de Deus, e que somente nele encontra a alegria autêntica e a sua realização mais completa.


Saudação

Queridos amigos dos países de língua portuguesa, sede bem-vindos! São Francisco de Sales lembra que cada ser humano traz inscrita no íntimo de si a nostalgia de Deus. Possais todos dar-vos conta dela e por ela orientar as vossas vidas, pois só em Deus encontrareis a verdadeira alegria e a realização plena. Para tal, dou-vos a minha bênção. Ide em paz!

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

 

Palavra de Vida

Janeiro 2025

Silvano Malini e equipa da Palavra de Vida

«Acreditas nisto?» (Jo 11, 26)

Jesus estava a chegar a Betânia, onde Lázaro tinha morrido há quatro dias. Quando soube da Sua vinda, a irmã de Lázaro, Marta, correu esperançosa ao Seu encontro. Jesus gostava muito dela, e da sua irmã Maria e de Lázaro, como assinala o Evangelho [Jo 11,5]. Apesar do sofrimento, Marta manifestou ao Senhor a sua confiança n’Ele, convicta de que, se Ele estivesse ali antes da morte do irmão, este ainda estaria vivo. Mas também que agora, qualquer pedido que Jesus fizesse a Deus, seria atendido. «O teu irmão ressuscitará» (Jo 11,23), afirmou então Jesus.

«Acreditas nisto?» (Jo 11, 26)

Jesus esclareceu que se referia ao regresso de Lázaro à vida física, aqui e agora, e não apenas à vida que espera o crente depois da morte. Depois pediu a Marta a adesão da fé, não só para realizar um dos seus milagres – a que o evangelista João chama “sinais” – mas para lhe dar, como a todos os crentes, uma vida nova e a ressurreição. «Eu sou a ressurreição e a vida» (Jo 11,25), afirmou Jesus. A fé que Jesus pede é um relacionamento pessoal com Ele, uma adesão ativa e dinâmica. Acreditar não é como aceitar um contrato – que se assina uma vez e fica para sempre –, mas é um facto que transforma e impregna a vida quotidiana.

«Acreditas nisto?» (Jo 11, 26)

Jesus convida-nos a viver uma vida nova, aqui e agora. Convida-nos a experimentá-la cada dia, sabendo que, como descobrimos no Natal, Ele próprio no-la trouxe, tomando a iniciativa de nos procurar e de vir habitar no meio de nós.

Como responder à Sua pergunta? Olhemos para Marta, a irmã de Lázaro.

Em diálogo com Jesus, desponta nela uma profissão de fé plena n’Ele. O original grego exprime-o com uma força ainda maior. Aquele “eu creio” por ela pronunciado significa “fiquei a acreditar”, “creio firmemente” que «Tu és o Cristo, o Filho de Deus que havia de vir ao mundo» [Jo 11, 27], com todas as consequências. É uma convicção amadurecida no tempo, posta à prova nas diversas circunstâncias que enfrentou na vida.

O Senhor faz-me a mesma pergunta a mim. Também a mim pede uma grande confiança n’Ele, a adesão ao Seu estilo de vida alicerçado no amor generoso e concreto para com todos. A perseverança amadurecerá a minha fé, que se reforçará ao verificar, dia após dia, a veracidade das palavras de Jesus colocadas em prática, e que não deixará de se expressar no meu agir quotidiano para com todos. Entretanto, podemos fazer nosso o pedido dos apóstolos a Jesus: «Aumenta a nossa fé» (Lc 17, 6).

«Acreditas nisto?» (Jo 11, 26)

«Uma das minhas filhas tinha perdido o trabalho, assim como todos os seus colegas, porque o governo tinha fechado a agência pública onde trabalhavam», conta a Patrícia, da América do Sul. «Como forma de protesto, organizaram um acampamento diante da sede. Eu procurava apoiá-los participando em algumas das suas atividades, levando-lhes comida ou simplesmente ficando a falar com eles.

Na Quinta-Feira Santa, um grupo de sacerdotes que os acompanhava decidiu fazer ali uma celebração onde se ofereciam também espaços de escuta, leu-se o Evangelho e realizou-se o gesto do lava-pés, recordando o que Jesus fez. A maior parte dos presentes não eram pessoas religiosas. Contudo, foi um momento de profunda união, de fraternidade e de esperança. Sentiram-se abraçados e, emocionados, agradeceram àqueles sacerdotes que os acompanhavam na incerteza e no sofrimento».

Esta palavra de Jesus foi escolhida como lema para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2025. Rezemos então e façamos de tudo para que a nossa fé comum seja o motor da procura da fraternidade com todos: é a proposta e o desejo de Deus para a humanidade, mas requer a nossa adesão. A oração e a ação serão eficazes se nascerem da nossa confiança em Deus e do nosso agir em conformidade.

sábado, 7 de dezembro de 2024

 Mergulhando no Mistério da

“Virgem Santa e Imaculada”,

com a ajuda do Papa Bento XVI

9º Dia da Novena da Imaculada Conceição

7 de Dezembro de 2024 – Sábado

Quando a Novena é presidida por um leigo:

V/: Deus, vinde em nosso auxílio:

R/: Senhor, socorrei-nos e salvai-nos.

V/: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,

R/: como era no princípio, agora e sempre. Ámen. Aleluia.

Mistérios da Alegria (Gozosos)

No 1º Mistério Gozoso do Santíssimo Rosário contemplamos:

«A Anunciação do Anjo a Nossa Senhora»

Texto Bíblico

Do evangelho de São Lucas:

26… o anjo Gabriel foi enviado por Deus …, 27a uma virgem desposada com um homem chamado José, … e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» 30Disse-lhe o anjo: «… 31Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus...» … 38Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» ...” (Lc 1, 26-28.30-31.38)

Prece

Pelas mulheres, para que, contemplando o mistério da Anunciação, acolham com alegria o dom da maternidade e respeitem a vida desde a sua concepção.

Depois de cada dezena:

V/. Nossa Senhora da Conceição. R/ Rogai por nós!

V/. Rainha da Paz. R/ Dai-nos a Paz!

No 2º Mistério Gozoso do Santíssimo Rosário contemplamos:

«A Visitação de Nossa Senhora

a sua prima Isabel»

Texto Bíblico

Do evangelho de São Lucas:

39Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 46Maria disse, então: «A minha alma proclama a grandeza do Senhor 47e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, 48porque pôs o olhar na humildade da sua serva. A partir de agora, me chamarão bem-aventurada todas as gerações, 49porque o Todo-Poderoso fez em mim grandes coisas. Santo é o seu nome, 50e a sua misericórdia se estende de geração em geração para aqueles que o temem. 51Mostrou a força do seu braço e dispersou os soberbos de pensamento e de coração; 52derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes; 53aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias; 54socorreu Israel, seu servo, recordando-se da sua misericórdia 55em favor de Abraão e da sua descendência para sempre, tal como tinha dito aos nossos pais».” (Lc 1, 39-40.46-55)

Prece

Pelos homens e mulheres, para que, contemplando o mistério da Visitação, aprendam com Maria, a estender generosamente a mão da ajuda e da caridade àqueles que necessitam.

Depois de cada dezena:

V/. Nossa Senhora da Conceição. R/ Rogai por nós!

V/. Rainha da Paz. R/ Dai-nos a Paz!

No 3º Mistério Gozoso do Santíssimo Rosário contemplamos:

«O Nascimento de Jesus

no presépio de Belém»

Texto Bíblico

Do evangelho de São Lucas:

6E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz 7e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.” (Lc 2, 6.7)

Prece

Pelos homens e mulheres, para que, contemplando o mistério do Natal, constituam famílias felizes à imagem da Sagrada Família e acolham festivamente os filhos que Deus lhe der.

Depois de cada dezena:

V/. Nossa Senhora da Conceição. R/ Rogai por nós!

V/. Rainha da Paz. R/ Dai-nos a Paz!

No 4º Mistério Gozoso do Santíssimo Rosário contemplamos:

«A Apresentação do Menino Jesus no Templo

e a Purificação de Nossa Senhora»

Texto Bíblico

Do evangelho de São Lucas:

22Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, 23conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor». (Lc 2, 22.23)

Prece

Pelos homens e mulheres, para que, em comunhão com a Igreja, procurem para seus filhos o dom da Baptismo, da Confirmação e da Eucaristia.

Depois de cada dezena:

V/. Nossa Senhora da Conceição. R/ Rogai por nós!

V/. Rainha da Paz. R/ Dai-nos a Paz!

No 5º Mistério Gozoso do Santíssimo Rosário contemplamos:

«A Perda e Reencontro do Menino Jesus no Templo

entre os doutores da Lei»

Texto Bíblico

Do evangelho de São Lucas:

43Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem. 45Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. 46Três dias depois, encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. 47Todos quantos o ouviam, estavam estupefactos com a sua inteligência e as suas respostas. 48Ao vê-lo, ficaram assombrados e sua mãe disse-lhe: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!» 49Ele respondeu-lhes: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?»” (Lc 2, 43.45-49)

Prece

Pelos homens e mulheres, para que, à imagem da Sagrada Família, eduquem os seus filhos na fé, na abertura aos dons de Deus e em comunhão com a Igreja.

Depois de cada dezena:

V/. Nossa Senhora da Conceição. R/ Rogai por nós!

V/. Rainha da Paz. R/ Dai-nos a Paz!

Depois do cântico todos se sentam e, quando a Novena é presidida por um leigo, aquele que preside, lê:

Palavra do Papa Bento XVI para escutar e guardar no coração, proferidas na «Audiência Geral» a 15 de Fevereiro 2006:

Magnificat (cf. Lc 1, 46-50) é uma espécie de voz solista que se eleva em direcção ao céu para alcançar o Senhor. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira pessoa: "A minha alma... o meu espírito... meu salvador... chamar-me-ão bem-aventurada... fez grandes coisas em mim...". A alma da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo.

O seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria reconhecedora. Mas este testemunho pessoal não é solitário, intimista ou puramente individualista, porque a Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e a sua vicissitude insere-se no âmbito da história da salvação. E assim pode dizer: "A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem" (v. 50). Com este louvor ao Senhor, Nossa Senhora dá voz a todas as criaturas remidas, que no seu "Fiat", assim como na figura de Jesus nascido da Virgem, encontram a misericórdia de Deus.

Aceitemos o convite que no seu comentário ao texto do Magnificat nos dirige santo Ambrósio. O grande Doutor da Igreja diz: "Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus; se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo; de facto, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma de Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque, consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora com afecto devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor, em virtude do qual todas as coisas existem" (Exposição do Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27: SAEMO, XI, Milão-Roma 1978, p. 169).

Santo Ambrósio, interpretando as palavras de Nossa Senhora, convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas devemos levá-lo ao mundo, de forma que também nós possamos gerar Cristo para o nosso tempo. Peçamos ao Senhor que nos ajude a magnificá-lo com o Espírito e com a alma de Maria e a levar de novo Cristo ao nosso mundo.

Cf. Bento XVI, «Audiência Geral» a 15 de Fevereiro 2006

Para rezar:

Maria, Mãe de Jesus,

dai-me o vosso coração,

tão belo, tão puro, tão imaculado,

tão cheio de amor e de humildade;

fazei que possa receber Jesus no Pão da Vida,

amá-lO como vós mesma O amastes

e ir «a toda a pressa» dá-lO aos demais.

Santa Teresa de Calcutá

V/: Rezemos as 3 Avé-Marias finais:

em honra da Pureza de Nossa Senhora, pela paz no mundo,

pelo Santo Padre, sua saúde e intenções,

pelo nosso Arcebispo, sua saúde e intenções,

pelos sacerdotes, especialmente pelo nosso pároco,

pelos nossos Seminários e noviciados, pelas vocações,

pelas crianças e jovens da catequese,

pelas famílias, pelos doentes, idosos, pobres e desempregados,

pela conversão dos pecadores,

pelas benditas almas do Purgatório.

e pelos que se recomendam às nossas orações.

 

Rezadas as 3 Avé-Marias, recita-se a Salvé-Rainha.

Pode ainda rezar-se a Consagração a Nossa Senhora ou outra oração a Nossa Senhora.

 

Quando a Novena é presidida por um leigo:

V/: O Senhor nos abençoe, nos livre de todo o mal e nos conduza à vida eterna. R/: Amen.

V/: Bendigamos ao Senhor. R/: Graças a Deus.