quinta-feira, 1 de março de 2012

PALAVRA DE VIDA
Março de 2012
Chiara Lubich
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68).
Jesus falava do Reino de Deus às multidões que vinham para O ouvir. Falava com palavras simples, usando parábolas sobre a vida de todos os dias. Mas a sua maneira de falar tinha um fascínio muito especial, encantava. As pessoas ficavam impressionadas porque Ele ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os doutores da Lei. Mais tarde, até os guardas que O foram prender – respondendo aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntaram porque é que não tinham cumprido as ordens – disseram: «Nunca nenhum homem falou assim!» (Jo 7, 46).
O Evangelho de São João cita alguns diálogos cheios de luz com determinadas pessoas, como Nicodemos ou a samaritana. Jesus, quando fala aos Seus apóstolos, aprofunda ainda mais: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, já sem usar comparações. Eles ficam conquistados, e não O deixam, nem sequer quando não compreendem perfeitamente as Suas palavras, ou quando estas lhes parecem demasiado exigentes.
«Que palavras insuportáveis!» (Jo 6, 60), disseram-Lhe alguns discípulos quando O ouviram dizer que lhes daria o Seu corpo a comer e o Seu sangue a beber.
Jesus, ao ver que esses discípulos se afastavam e já não andavam com Ele, dirigiu-se aos Doze Apóstolos: «Também vós quereis ir embora?» (Jo 6, 67).
Pedro, já ligado a Ele para sempre, fascinado pelas palavras que Lhe tinha ouvido pronunciar desde o dia em que o encontrara, respondeu, em nome de todos:
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68)
Pedro tinha percebido que as palavras do Seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras terrenas pertencem à Terra e têm o mesmo destino que a Terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu. São uma luz que desce do Alto e têm a força do Alto. Possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, políticos ou poetas. São «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68) porque contêm, exprimem e comunicam a plenitude daquela vida que não tem fim, porque é a vida do próprio Deus.
Jesus ressuscitou e vive. E as Suas palavras, ainda que pronunciadas no passado, não são uma simples recordação. São palavras que Ele dirige hoje a todos nós e às pessoas de todos os tempos e de todas as culturas: palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a Sua maior arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que tom, que voz!
«Certo dia – conta, por exemplo, Basílio, o Grande (São Basílio (330-379), bispo de Cesareia, Padre da Igreja) –, pareceu-me despertar de um sono profundo. Abri-me à maravilhosa luz da verdade evangélica e compreendi a inutilidade da sabedoria dos mestres deste mundo» (Ep. CCXXIII, 2).
Teresa de Lisieux, numa carta de 9 de maio de 1897, escreveu: «Às vezes, quando leio certos tratados espirituais (…) a minha pobre inteligência cansa-se muito depressa, fecho o sábio livro que me quebra a cabeça e me seca o coração, e pego na Sagrada Escritura. Então tudo me parece luminoso, uma só palavra revela à minha alma horizontes infinitos e a perfeição parece-me fácil» (Santa Teresa do Menino Jesus, “Carta 226”, em Obras Completas, Edições Carmelo, Paço de Arcos, 1996, p. 608).
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o infinito. Iluminam interiormente não só a inteligência, mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Dão paz – aquela que Jesus chama Sua: «a minha paz» – mesmo nos momentos de inquietação e de angústia. Dão alegria plena, até no meio do sofrimento que, por vezes, despedaça a alma. Dão força, sobretudo quando nos falta a coragem e sentimos o desânimo. Tornam-nos livres, porque abrem o caminho da Verdade.
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68)
A Palavra de Vida deste mês lembra-nos que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, até quando as suas palavras nos possam parecer duras ou demasiado exigentes: ser honestos no trabalho, perdoar, pôr-se ao serviço dos outros, em vez de pensar egoisticamente em nós mesmos, permanecer fiel à vida familiar, assistir a um doente em fase terminal sem ceder à ideia da eutanásia…
Há muitos mestres que nos convidam a escolher soluções fáceis, a entrar em “compromissos”. Mas nós queremos ouvir o único Mestre e segui-Lo a Ele, que é o único que diz a verdade e tem «palavras de vida eterna». Assim, também nós podemos repetir as palavras de Pedro.
Neste período da Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos realmente entrar na escola do único Mestre e tornarmo-nos Seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela Palavra de Deus: ouçamo-la com atenção quando nos for proclamada nas igrejas, quando a lermos, estudarmos, meditarmos...
Mas nós somos chamados, sobretudo, a vivê-la, segundo o ensinamento da própria Escritura: «Tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos» (Tg 1, 22). É por isso que, todos os meses, tomamos especialmente uma em consideração, deixando que ela nos penetre, nos molde, que “viva em nós”. Vivendo uma palavra de Jesus vivemos todo o Evangelho, porque Ele dá-Se completamente em cada uma das Suas palavras. É Ele mesmo que vem viver em nós. É como uma gota de sabedoria divina do Ressuscitado, que lentamente vai abrindo espaço dentro de nós e vai substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
Publicada em Cidade Nova, 2003/2 (Março/Abril), pp. 22-23.

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