quarta-feira, 12 de novembro de 2008

SEMANA DOS SEMINÁRIOS
A “minha” Vocação…
um Olhar de Amor

Falar de vocação, do chamamento que Deus me fez e me faz continuamente para O seguir com radicalidade, é difícil, é como querer reter a água dos oceanos entre as minhas mãos, é impossível. No entanto, mesmo se é impossível reter entre as mãos toda a água dos oceanos, não é que fiquemos com as mãos molhadas. Assim, pelo menos uma pequeníssima parte, da imensidão desse Mistério que é o “chamamento” que Deus faz ecoar na intimidade do meu coração, posso reter e partilhar.
Sempre que falo ou penso na “minha” vocação, de imediato ao meu pensamento assomam uma frase da 1ª Carta de São João e um excerto do Cântico Espiritual de São João da Cruz. De São João: “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele” (1Jo 4, 16) de São João da Cruz: “Aonde Te escondestes, Amado, e me deixastes num gemido? Qual veado fugistes, havendo-me ferido” (CA-1).
De facto, desde o início, ainda que disso não tivesse consciência – hoje é claro, "Deus Olha-me com um olhar particularmente amoroso" e faz brotar em mim uma felicidade e uma paz que o coração parece não poder conter.
O primeiro “Olhar Amoroso” de que tenho memória aconteceu em finais de Janeiro, do longínquo ano de 1975, tinha eu 6 anos. Num dos últimos dias da novena de Senhora das Candeias, a padroeira da minha terra, Mourão, recordo-me que, confortavelmente envolvido no meu primeiro capote alentejano, dormitei a novena toda, ora encostado à minha mãe, ora à minha tia materna. Entre um olho aberto e outro fechado fui vendo o meu prior de joelhos na escadaria do altar-mor incensando o Santíssimo Sacramento, recordo o barulho das corrente do turíbulo, o cheiro do incenso, bem como o coro a cantar a Ladainha de Nossa Senhora. Encantai-me. Melhor enamorei-me. Que paz, que tranquilidade… que Paraíso. De tal forma me marcou este quadro que, na minha inocência infantil, à saída da novena, no alto da escadaria do Santuário, situado no castelo e, que tem a Vila de Mourão a seus pés, disse num rompante à minha mãe: “Quando o Padre Inácio morrer, vou enterrá-lo e fico o padre da Senhora das Candeias”. Todos se riram deste inocente e pueril desejo sem consequências... pensavam. Eu estava convicto do que dizia… estava encantado, completamente apaixonado pelo que tinha acabado de viver… queria passar a minha vida a fazer “aquelas coisas”, as coisas de Deus.
Passam os anos e como era muito preguiçoso na escola, minha mãe, que tinha um primo cónego da Sé de Évora, sempre ouvira dizer ao primo que no Seminário obrigavam os rapazes a estudar. Bom remédio, pensou, juntava-se o útil ao agradável. Em tempos eu tinha dito que queria ser padre, no Seminário haveriam de fazer de mim um rapaz estudioso. E lá vai ele, com 12 anos, para o Seminário Menor de São José de Vila Viçosa.
Estudo, oração, tropelias… o normal na vida de Seminário. Com 16 anos passo para o Seminário Maior de Nossa Senhora da Purificação de Évora… aos 18 anos faço uma experiência de vida religiosa entre os Dominicanos. Fiz o noviciado no Convento de Fátima, não chego a professar… as saudades do Alentejo são muitas e regresso... ou serão os caminhos de Deus?!?!
Por alturas da saída do Convento, alguém, de chofre, me pergunta porque quero ser padre. A pergunta calou fundo no meu coração e eu não tinha resposta. Padre porquê? O ambiente do seminário era agradável, sentia-me feliz no seminário, não me via a fazer outra coisa, a minha família estava feliz com a ideia de que eu fosse padre, mas seria isto suficiente? Padre porquê, Marcelino? Ao fim de alguns meses a resposta brotou luminosa e radiante, como um vulcão… "Deus ama-te, tem sobre ti um Olhar de Amor". Imediatamente procurei a pessoa, que meses antes me tinha perguntado, padre porquê (?) e lhe respondo: porque Deus me ama. Resposta da dita pessoa: “grande coisa, essa é a experiência fundamental do cristão, não precisas de ser padre por isso”. Mas desta vez eu estava preparado. Padre para ter inteira disponibilidade de vida, de afectos, de tudo... Padre para dizer a todos, mesmo a todos, que Deus os ama e os quer felizes vivendo no Amor.
Eu tinha que responder a “Esse Olhar que é Amor” e a melhor forma de o fazer era dar-Lhe tudo, dar-me todo a Ele, no sacerdócio. Para ser ponte, para falar aos Homens de Deus e a Deus dos Homens. Para ser sinal do Amor de Deus no meio do Seu Povo. Padre para ser as mãos, os pés, os braços, a boca, o coração de que Deus se serve para Amar, para servir, para afagar, para conduzir, para anunciar, para louvar, para unir o Povo de Deus, para restaurar a Esperança do Seu Povo...
Ao longo da minha vida foram e são tantos os sinais deste Deus que não retira de sobre mim o “Seu Olhar de Amor”.
Intensificou esse “Olhar” quando - no dia a seguir ao funeral de minha mãe, (11 de Julho de 2002) que havia partido inesperadamente para o Paraíso no dia em que eu cumpria 7 anos de sacerdote (9 de Julho de 2002) - me mimou e reconfortou fazendo que na estrada, regressando ao Seminário de Vila Viçosa, onde na época trabalhava, me ultrapassa uma carrinha toda suja e no vidro traseiro alguém havia escrito com o dedo, no meio da poeira e sujidade: “Deus é Amor”. Foi a Boa Nova, que mais uma vez me foi recordada, exactamente quando entrava na terra da Senhora da Boa Nova, Terena.
Intensificou esse Olhar quando no fim de um Curso de Cristandade, onde participei como membro da equipa sacerdotal, me entregam uma fita com uma frase para prender ao peito. A frase: “Deus é Amor”. Naquele preciso momento necessitava que alguém me o lembrasse.
Deus vem ao meu encontro na delicadeza e simplicidade de uma fita para me dizer: “Amo-te”.
Vem ao meu encontro para me recordar o Seu Amor todos os dias, nas pessoas nos acontecimentos…

Vem ao meu encontro para me recordar o Seu Amor nas alegrias, nos sucessos, nas dores, nos desaires, nos desânimos, pois a Cruz amada, abraçada, querida e desejada, é sinal do Amor Maior. Nos meus tempos de Seminário, Chiara Lubich (fundadora do Movimento dos Focolares), a meu pedido, deu-me como nome novo: Marcelino de Jesus Abandonado e como Palavra de Vida a da 1ª Carta aos Coríntios: “Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Cor 2, 2). Chiara deu-me o Amor Maior, como guia e conforto, que conduz com segurança à Festa da Ressurreição.

Com todas as minhas limitações e debilidades, sou tão feliz neste Caminho de Amor que, a propósito e fora de propósito, falo dele e o proponho aos outros… sonho ver os seminários e os mosteiros cheios. Não por desrespeito pelo matrimónio, ou porque fazem falta padres ou freiras, mas porque quisera eu que tantos, muitos, mesmo muitos, pudessem fazer esta felicíssima e realizadora experiência de ser “feridos” pelo Amor de Deus, não podendo viver de outra forma senão em Deus e para Deus.
É que Deus não tira nada, dá tudo… melhor, dá-Se-nos Todo.
P. Marcelino José Moreno Caldeira
Arquidiocese de Évora

4 comentários:

Canela disse...

Bom... nem sei como vim aqui parar...também não interessa (acho).

Apenas quero expressar que... foi o "maior" testemunho que "ouvi".

Não maior de longo, nem de maçudo. O maior, de mais eloquente e apixonado por JESUS CRISTO!

Glória a DEUS!

Importa-se que faça um post, redireccionando-o para o seu testemunho?

Água Viva disse...

Muito obrigado pelo seu simpatiquíssimo comentário. Reze por mim, para que seja fiel à Vontade de Deus.
Esteja à vontade para usar o "meu" testemunho... se ele ajudar alguém, fico feliz e dou graças a Deus por isso.
Um abraço
P. Marcelino

Canela disse...

Desde já agradeço poder "usar" o seu testemunho. Talvez demore um pouco até fazer o post, mas logo que o faça, venho aqui avisar.

Sim rezarei por si, muito embora consciente do meu "nada"...

Penso que o mundo necessita saber; ouvir; talvez entender... o que leva o ser humano a abraçar a vida Religiosa Consagrada (sei que não serei eu a fazê-lo).

A Paz De Cristo

Anónimo disse...

Muitos parabéns pelo seu testemunho.