domingo, 20 de março de 2011

"...os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém.” (Mt 17, 8). “…apenas Jesus…” (Mt 17, 8), nesta expressão, que conclui a narrativa da Transfiguração encerra-se todo um programa de vida. É óbvio que, “…apenas Jesus…” (Mt 17, 8) não significa que possamos deixar de lado o Pai e o Espírito Santo e sim que Jesus é o único lugar no qual Deus-Trindade se manifesta operante e plenamente aos homens. Significa que ninguém vai ao Pai a não ser por meio d’Ele, por meio de Jesus (cf. Jo 14, 6). “Apenas Jesus…” (Mt 17, 8), os pensamentos, projectos e preocupações inúteis voam para longe, fazendo-se no coração um profundo silêncio e uma paz profunda (cf. CANTALAMESSA, Raniero, “O Mistério da Transfiguração”, Edições Loyola, São Paulo, 2001, pgs. 36-37), porque habitado por Deus, Aquele Deus de que temos “absoluta necessidade”, de que temos uma “sede abrasante”.
Entusiasmados e plenamente convencidos da oportunidade evangélica, bem como da necessidade, para a Igreja e para o mundo, do apelo lançado pelo venerável papa João Paulo II, na Novo Millennio Ineunte, aos cristãos do Terceiro Milénio: mais do que “falar” de Deus, “mostrar” Deus: “…sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje não só que lhes «falem» de Cristo, mas também que de certa forma lh'O façam «ver». E não é porventura a missão da Igreja reflectir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio?” (NMI, 16), lançamo-nos na “Divina Aventura” de responder positivamente a este apelo. Por isso, conduzidos pelo Espírito Santo ao Deserto (cf. Mt 4, 1) do Monte Santo da Transfiguração e pela contemplação, permanecemos com o olhar fixo no Rosto do Senhor Jesus, que é fonte de eficácia apostólica e força de caridade fraterna.
Como no tempo de Jesus, a Humanidade de hoje “procura” e “tem sede” de Deus. E, mesmo que disso não tenha consciência, precisa e quer que os discípulos de Jesus lhe mostrem o Senhor. Como Tomé, só acredita se vir, na vida dos discípulos, as marcas do Ressuscitado: “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito” (Jo 20, 25). Que ela, a Humanidade O reconheça, com Ele se encontre e pelo Seu Amor se deixe tocar, é um dos apelos mais profundos que brotam nosso coração, pois “Jesus é verdadeiramente o único tesouro que temos para dar à humanidade" (Bento XVI, em Lurdes, a 31 de Maio de 2010).
Não só a Humanidade “procura” e “tem sede” de Deus, como Deus nos procura e quer necessitar e ter sede «Tenho sede!»” (Jo 19, 28) do nosso amor, pelo que, vem ao nosso encontro, faz-se Emanuel, Deus-Connosco e nos questiona do nosso amor por Ele: “«…tu amas-me mais do que estes?» …tu amas-me? ...tu és deveras meu amigo?»” (Jo 21, 15-17). Diante deste Mistério de Amor, só podemos sentimo-nos chamados a saciar a sede que Deus tem do amor da Humanidade, do “nosso” amor, votando-Lhe um amor generoso, voluntário, gozoso, exclusivo e total. Com a Bem-aventurada Chiara Luce Badano dizemos: “Agora não tenho mais nada, porém ainda tenho o coração e com ele posso amar!" Um amor por Deus que é total e radical, porque envolve o corpo, a carne (cf. Sl 84[83], 3), a inteligência, os afectos… em suma, uma vida que grita: “ para mim, viver é Cristo” (Fl 2, 21), para mim viver, é amar Cristo: “De alma me consagrei, e todo o meu haver, ao Seu serviço. Já não guardo a grei nem tenho outro ofício, porque é, somente, amar meu exercício." (São João da Cruz) Deus chama por amor, e é por amor que deseja ser correspondido. Só quem ama se entrega para sempre.
No mistério da Transfiguração, a Igreja não celebra apenas a Transfiguração de Cristo, mas também a sua própria: “…transformai-vos pela renovação de vosso espírito” (Rm 12, 2).
Contemplando, em Cristo Transfigurado, a glória Divina, tornamo-nos o espelho em que Cristo gosta de reflectir essa mesma glória Divina. Pois contemplando, reflectimos aquilo que contemplamos: “Permanecendo simples e amorosamente na Sua presença para que possa reflectir em nós a Sua própria imagem como se reflecte o sol no límpido cristal" (Beata Isabel da Santíssima Trindade). Tornamo-nos naquilo que contemplamos. Contemplando, somos transfigurados na imagem que contemplamos. Contemplando Cristo, nós nos tornamos semelhantes a Ele, conformamo-nos a Ele, fazemo-nos um só espírito com Ele (cf. Regra (OIC) de Júlio II, 30), consentimos que o Seu mun­do, os Seus propósitos e os Seus sentimentos, a Sua vida se imprimam em nós, que substituam os nossos pensamentos, propósitos e sentimentos… a nossa vida, tornando-nos assim semelhantes a Ele, como diz São João da Cruz “… tenha sempre a alma o desejo contínuo de imitar a Cristo em todas as coisas, conformando-se à sua vida que deve meditar para saber imitá-la e agir em todas as circunstâncias como ele próprio agiria" (São João da Cruz). Contemplando o Seu “Rosto” vamo-nos deixando, por Ele, “despir das obras das trevas e revestir das armas da luz” (Rm 13, 12), com vista a dizer com o apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20) e “… para mim, viver é Cristo…” (Fl 2, 21).
O Tabor, não consiste num simples retorno imaginativo, fantasioso e poético a um lugar geográfico, ele é antes de tudo, uma forma muito real e concreta de viver em Deus, de mergulhar no Seu Coração, de contemplar o Seu Rosto e de permitir que ele plasme em nós a Sua Imagem, conforme a nossa vida com a Sua, nos transforme verdadeira e activamente em Sua “imagem e semelhança” (cf. Gn 1, 26-28), de forma a podermos dizer com São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).
Todos os baptizados, procuramos fazer a experiência viva de Cristo, o Verbo da Vida: vê-lO com os olhos, escutá-lO com os ouvidos e tocá-lO com as mãos (cf. 1 Jo 1,1). Este, é, contudo, um caminho de fé: “O rosto, que os Apóstolos contemplaram depois da ressurreição, era o mesmo daquele Jesus com quem tinham convivido cerca de três anos e que agora os convencia da verdade incrível da sua nova vida, mostrando-lhes «as mãos e o lado» (Jo 20,20). Certamente não foi fácil acreditar. Os discípulos de Emaús só acreditaram no fim dum penoso itinerário do espírito (cf. Lc 24,13-35). O apóstolo Tomé acreditou apenas depois de ter constatado o prodígio (cf. Jo 20, 24-29) (NMI, 19)

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